quinta-feira, 29 de abril de 2010

COLUNA

O ÚLTIMO HOMEM

Reli, neste último fim de semana, o excelente trabalho, O fim da História e o último homem, do historiador norte-americano Francis Fukuyama, onde é feita uma análise inteligente da passagem do homem por diversos níveis da História, mormente enquanto agente do sistema. De todos os conceitos emitidos naquela obra, uma nos parece bastante familiar e por deveras instigante, haja vista o momento que se vive no Brasil. Diz o eminente historiador que a democracia liberal com certeza será o grande motor propulsor da História do século XXI, asseverando que o futuro a longo prazo daquela democracia e as alternativas que poderão surgir em função dela trarão aos cidadãos um reconhecimento inteiramente satisfatório de sua atuação.
Há, em função desse pensamento, dois aspectos a serem considerados, ainda na visão do historiador, e que passam necessariamente pela ideologia pregada tanto pela direita quanto pela esquerda. Ainda que no Brasil estejam-se estiolando os conceitos políticos de ambas, não se podem esquecer, pelo menos, definições dogmáticas daquelas duas partes. No caso da esquerda, o reconhecimento universal na democracia liberal é, necessariamente, incompleto porque o capitalismo cria a desigualdade econômica e promove uma divisão do trabalho implicando em reconhecimento desigual. Sob esse aspecto, o nível absoluto de prosperidade de uma nação não oferece solução porque continuarão a existir os relativamente pobres e, no caso do Brasil os absolutamente pobres, portanto invisíveis como seres humanos em sua pátria. A democracia liberal, no dizer de Fukuyama, continua a reconhecer desigualmente pessoas iguais.
Já a direita, profundamente preocupada com os efeitos niveladores dos compromissos da Revolução Francesa com a igualdade humana, gera pensamento do tipo “democracia moderna representa a vitória incondicional do escravo e de uma espécie de moralidade servil”. Para o historiador, a democracia liberal produz, na visão da direita, um cidadão típico de uma democracia liberal e um último homem que, doutrinado pelos fundadores do liberalismo moderno, trocou a crença orgulhosa na própria superioridade pelo conforto da autoconservação.
Pois bem, são duas interpretações convincentes para ambas as correntes, mas que, no fundo, traduzem apenas a preocupação genérica e finalista da aparência do homem enquanto cidadão do mundo. Sua preocupação com o imediato está-se tornando cada vez mais visível e, particularmente no Brasil, o rumo ditado pela democracia liberal infelizmente não tem visado o homem comum, o menos favorecido ou, para falar com mais clareza, o pobre. Na realidade, pelos entendimentos dos próceres do liberalismo moderno, passando por Tocqueville, o povo não está consagrado para ser elemento pensante nem decisivo no mando de um governo: está e sempre será apenas o sustentáculo para que esse mando se exercite em seu pleno vigor.
Buscar entendimento nos clássicos do liberalismo econômico e na democracia liberal pregada adiante da Revolução Francesa é uma necessidade se quisermos aquilatar o que se passa hoje em nosso país, para entendermos que a escala da violência, a falta de uma política convincente na área de saúde e a completa aniquilação do sistema educacional, têm tudo a ver com o surgimento do “último homem” de Fukuyama, dando margem à revivificação de um novo processo evolutivo, de um retorno dos tempos em que a luta corporal para a satisfação das necessidades básicas da vida era uma tônica diuturna.
Infelizmente, o historiador tem razão. Infelizmente estamos caminhando para lá.


* Historiador e atual Presidente da Academia Caxambuense de Letras