terça-feira, 7 de setembro de 2010

COLUNA

HÁBITOS REGIONAIS I

As casas de fazenda

Importantes anotações de viajantes que passaram pelo interior de Minas Gerais dão conta de que, invariavelmente, as condições de moradia e de alimentação não eram diferentes de região para região. O povo mineiro, segundo anotações de vários estrangeiros que por ali passaram, era pacífico, trabalhador, generoso e, quer ricos quer pobres, tanto os mais rústicos, quanto os mais polidos, exercitavam em grau elevado a virtude da hospitalidade, franqueando cordialmente as suas casas e dando asilo a todos que os procuravam.
O Dr. João Dornas Filho, em sua obra capital, O ouro das gerais e a civilização da capitania, mostra que o mineiro é simples, modesto, laborioso e pacífico, tendo um caráter personalista que lhe é dado pelo isolamento das áreas de montanha; porém é homem de convívio familiar e capaz de defender uma ideia ou um sentimento até mesmo de armas em punho, desde que esteja em jogo a sua dignidade pessoal ou cívica. Anota, ainda, que “desde o período colonial até nossos dias a história registra a colaboração dos mineiros e a sua presença nas fileiras de todos os movimentos de interesse nacional”.
As casas dos fazendeiros, que habitaram o campo e ainda aquelas menores existentes nos arraiais, eram feitas de pau-a-pique amarradas com cipó, barreadas por dentro e por fora. A casa do proprietário de posses medianas consistia de uma varanda na frente da edificação, com dois quartos nos extremos. Esses quartos serviam para acomodação de hóspedes. Junto às varandas ficava a sala de visitas, que também servia de sala de jantar para os homens. A mobília compunha-se de uma mesa comprida e estreita, dois ou três bancos, um toco de pau para pôr o candeeiro e, na maioria das vezes, de um oratório repleto de imagens.
Em geral, em cada parede da sala havia muitas pontas de veado galheiro dos quais pendiam selas, arreios e vários outros utensílios domésticos. Ao lado da sala estavam os quartos; as cozinhas ficavam separadas, assim como os depósitos ou tanques de debulhar milho para se fazer a farinha e a canjica. Igualmente ficavam distantes os monjolos, o paiol de milho, de arroz e de legumes e os telheiros para os carros de boi. A poucos metros da casa, também, ficavam os currais do gado e os cercados ou pocilgas dos porcos. Todas as edificações eram cobertas de telha.
A fazenda, de acordo com o Dr. Heitor Antunes de Souza, autor da obra “Esboço histórico dos municípios de Itanhandu e Itamonte”, “era, principalmente, uma estrutura de ordem material e social, constituída da propriedade escrava, a maior riqueza antiga e o melhor equilíbrio de prosperidade”.
Fazendo uma comparação entre as fazendas e os povoados, o ilustre magistrado que esteve em exercício nas comarcas de Itanhandu e Itamonte, observa que a fazenda era o “símbolo da riqueza mercantil, a tradição da família, a vida patriarcal; o povoado era símbolo da classe pobre que não se resignava ao jugo do poderoso, que se achegava, entre si pela eterna e evangélica atração de esperanças e também de desventuras”.
Já os naturalistas Spix e Martius, em suas incursões pelo Brasil afora, principalmente quando entraram nas Minas Gerais, fizeram observações sobre uma propriedade mais humilde, dizendo que o mobiliário dessas casas limitava-se ao estritamente necessário, consistindo “de bancos e cadeiras de pau, uma mesa, uma grande arca com tabuado assentado sobre quatro jiraus, coberta com esteira ou pele de boi. Em vez de leitos, servem-se os brasileiros, quase por toda parte, de redes tecidas ou entrelaçadas, que na província de Minas Gerais são mais fortes e caprichosamente feitas com fio de algodão branco e de cor”.
Informavam, ainda que, segundo o costume português, as mulheres e os filhos deveriam retirar-se da sala para seus quartos quando chegassem pessoas estranhas.
Os fazendeiros pobres tinham apenas uma casa com uma pequena sala e um ou dois quartos, tudo de pau-a-pique; algumas sem janelas e com portas muito baixas, que eram às vezes fechadas com um couro de boi. Havia, também, um pequeno paiol, um monjolo e um cercado para os porcos e, vez por outra, alguma vaca.


* Historiador e Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais