terça-feira, 23 de novembro de 2010

COLUNA

Eça de Queirós e a objetividade realista



Neste dia 25 de novembro, o mundo literário comemora 165 anos do nascimento de um dos maiores romancistas portugueses: José Maria Eça de Queirós. Nascido em Póvoa de Varzim, rapidamente manifestou seu espírito inquieto e aventurei¬ro para as coisas da literatura. Formado em Direito, seguiu para Lisboa em 1866, começando aí a escrever artigos para a “Gazeta de Portugal”. Com 22 anos, fundou em Évora um jornal de oposição ao governo, o que provocou grande espanto e reação naquela província portuguesa.

Sob o pseudônimo de Carlos Fradique Mendes, publicou em 1869 a “Revolução de Setembro”. Ainda nesse mesmo ano viajou para o Egito, para a Síria e a Palestina. Essa sua viagem narrou-a em “O Egito”, uma obra inigualável. Ao retornar a Portugal aliou-se a Ramalho Ortigão para a publicação da obra "O mistério da estrada de Sintra”, uma espécie de romance policial que foi publicado em diversas edições da "Gazeta de Portugal".

Nomeado para a administração do conselho de Leiria, o nosso romancista inicia o seu mais ousado texto, “Os crimes do padre Amaro”, deixando os críticos portugueses completamente desorientados. Seguem-se obras como "O primo Basílio”, escrita em 1878, atacando as falsas moralidades da sociedade de Lis¬boa, sendo o exemplo vivo disto a figura do Conselheiro Acácio, sem dúvida, um Tristão machadiano.

Visivelmente influenciado por Honoré de Balzac, escreve sem cessar, publicando “Os maias”, “A relíquia”, e em determinado momento de difícil situação econômica passa a correspondente da “Gazeta de Notícias”, do Rio de Janeiro, colaborando como crítico literário e político na colu¬na “Cartas de Inglaterra”.

A obra de Eça de Queirós varia do Romantismo ao Realismo e demonstra uma expressiva re¬presentatividade do gênero em língua portuguesa. Exemplos marcantes são "A ilustre casa de Ramires” de 1900 e "A cidade e as serras”, este publicado postumamente em 1901.

Eça de Queirós representa um tempo de reação, de reconvoca¬ção do povo português à retomada de seu papel de prócer da cultura mundial, como já o fora nos idos do Quinhentismo. Os es¬critos de Queirós demonstram vivos contornos de luta social, de questionamentos que batem às portas do momento político em que se vive, procurando mesmo abalar velhas estrutu¬ras mentais. Ditado por uma tendência da literatura realis¬ta, escudava-se nos grandes mestres dessa objetividade como Gustave Flaubert, Guy de Maupassant, Emile Zola e Anatole France.


Essa tendência desdobrar-se-ia em diversos planos que se complementavam: ideologicamente, a certeza que uma sorte irreversível iria se cristalizar no determinismo e, esteticamente, onde o próprio ato de escrever era o reconhecimento implícito de uma faixa de liberdade, restando ao escritor a religião da forma, a arte pela arte, que daria afinal um sentido e um valor à sua existência cerceada por todos os lados.

Esse momento, vivido por realistas portugueses como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, seria também experimentado no Brasil por Machado de Assis, por Raul Pompéia e por tantos outros. Pa¬rece-nos, inclusive, ao ombrear obras de um e de outro, sem medo de laborar em erro, existir uma grande identidade no cenário que se monta em torno de “Os Maias” e “Dom Casmurro”. Não que tivessem o mesmo enredo, não que cuidassem da mesma história, porém, o impulso gerador de ambas as narrativas parece ter o mesmo dí¬namo: o constante questionamento das relações afetivas em vários níveis, objetivos e subjetivos, pessoais ou mesmo coletivos. Basta uma leitura atenta de ambas para se comprovar a assertiva.

Eça de Queirós é, sem sombra de dúvidas, um Machado de Assis português, assim como este último encarnou, com todos os seus dons, a verdadeira expressão lusitana de narrar coisas simples, transformando-as em grandes épicos da literatura mundial.

_____________________

* Historiador e Membro da Academia Luso-Brasileira de Letras