AS TERRAS ALTAS DA MANTIQUEIRA – IX
Itamonte – 1ª parte
Na gênese de Itamonte aparecem muitos fatos e personagens, a maior parte consignada na tradição oral e, dentre tantos, anotamos aqui uma informação que, por volta de 1599 ou 1600, o inglês Anthony Knivet teria levado para o Rio de Janeiro “amostras de ouro de Itapucu ou Pedra do Picu, na Mantiqueira”. Não consegui, no entanto, estabelecer qualquer padrão de significância entre os termos Itapucu e Pedra do Picu, daí porque os cuidados que devem ser dados a esta informação.
Aliás, encontrei na Biblioteca Municipal de Itamonte um estudo sobre a região, em xerocópia, sem qualquer identificação de autor, levando tudo a crer que realmente se tratasse de um livro sobre o município. Infelizmente nem com a boa vontade da professora Elessandra Reis, que teve a preocupação de coligir em uma pasta tudo aquilo que se refere à cidade, conseguiu identificar o autor de tão valiosa obra para o resgate da história de Itamonte.
Ali também anotei uma referência a um suposto “caminho de Glimmer”, tudo levando a crer que se tratasse da passagem de Itamonte para Itatiaia, pela atual garganta do Registro, que teria sido aberto pelo holandês Wilhelm Glimmer. Essa referência merece algumas considerações, vez que não encontrei indícios seguros sobre essa afirmação.
Wilhelm Jost ten Glimmer, mineralogista holandês que participou da bandeira de André de Leão, em 1601, deixou um relato que foi publicado em Amsterdã sobre as andanças daquela bandeira. Trechos dele foram transcritos na obra do Dr. Washington Luis, insigne historiador pátrio. A expedição, segundo aquele holandês, desceu o rio Paraíba do Sul até a “região encachoeirada”, isto é, na altura da atual cidade de Cachoeira Paulista - conforme mesmo está descrito em vários outros relatos -, e ali saíram das canoas, “caminhando a pé ao longo de um outro rio que nasce do lado ocidental e não se presta à navegação”. Depois de cinco dias, alcançaram a raiz de um “monte altíssimo”, transpondo-o, desceram a “uns campos mui descortinados”, vendo-se ali grande quantidade de pinheiros.
Pelo que levantamos e interpretamos de estudos de diversos e significativos autores, a descrição não combina com nada parecido com a entrada por Itatiaia, mesmo por que:
1o) não existe ali rio expressivo que venha do lado ocidental correndo em direção à subida do Itatiaia; 2o) não existem cachoeiras significativas no Paraíba do Sul, após aquelas de Cachoeira Paulista, até a chegada à atual cidade de Resende, que impeçam a navegação por canoas; 3o) os mencionados “campos descortinados” não são visíveis do alto do Itatiaia, aliás, o próprio Dr. Horácio Macedo anotou que do alto (não da garganta) das Agulhas Negras avistavam-se montes, serras e colinas e não campos abertos, descortinados; 4o) a primeira notícia que se tem da descoberta de ouro em Aiuruoca data de 1705/1706, pelo bandeirante João de Siqueira Afonso, o que, poderia determinar, a partir daí, uma busca de rota alternativa para o Rio de Janeiro sem passar pelos registros fiscais, mais especificamente o de Capivari. Inclusive existem documentos que informam a abertura de picadas clandestinas para levar o ouro de Aiuruoca para o outro lado da Mantiqueira, punindo a Coroa severamente aqueles que burlassem as ordens reais que proibiam passagens não autorizadas.
Ora, se a expedição de André de Leão, entre 1601 e 1602, passou por um caminho traçado pelas terras da atual Itamonte para atingir o rio das Velhas, estaria, na realidade, a bandeira dando uma grande volta, porque um atalho (se é que havia um à época) por Aiuruoca abreviaria o tempo da expedição e, isto está comprovado, não foram encontrados quaisquer vestígios de ouro no caminho da bandeira de André de Leão, e por fim, 5o) o caminho pelo Embaú já estava largamente difundido entre os sertanistas que demandavam de Piratininga e do Rio de Janeiro, como, por exemplo, Martim Correia de Sá. É de questionar, então, o porquê de a bandeira de André de Leão descer mais ao norte para buscar uma passagem incerta e desconhecida; aliás, não temos, até então, notícia de nenhuma expedição que viesse do Rio de Janeiro aventurando-se por lugares que não os conhecidos de Parati, Cunha, Guaratinguetá e daí, transpondo a Mantiqueira pelo Embaú, internando-se nos “sertões” mineiros. O próprio governador Arthur de Sá Menezes, iniciando suas viagens às “minas dos cataguás”, em 23 de agosto de 1699, toma o rumo do Caminho Velho, via São Paulo, que era à época o único acesso a partir do Rio de Janeiro, levando-se, em média 100 dias, sendo 48 em marcha.
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* Historiador