Abro um parêntese nas histórias sobre o sul das Minas Gerais para prestar homenagem a uma das mais belas cidades do mundo: o Rio de Janeiro que, neste dia 1º de março, completa 446 anos de existência.
São Sebastião do Rio de Janeiro, cidade situada em uma das mais belas e maiores baías do mundo; cidade de tantas belezas naturais que por elas conquistou renome internacional. E, com o passar dos anos, essas belezas se completaram com o empreendimento de uma série de melhoramentos que a tornaram digna do espetacular cenário que a envolve, entre a beleza inigualável de sua baía e um fundo de paisagens que se eternizam na Serra dos Órgãos, espraiando-se até o Atlântico.
Pela beleza de seu panorama e aspectos pitorescos, a baía que os indígenas chamavam de Guana-para (braço do mar) tem inspirado poetas e compositores, além de extasiar os turistas que a visitam. Maria Graham, uma inglesa que por ali aportou na década de 1820, anotou em seu famoso Diário: nada do que vi até agora é comparável em beleza à baía. Nápoles, o Firth of Forth, o porto de Bombaim...cada um dos quais julgava perfeito em seu gênero de beleza, todos lhe devem render preito porque esta baía excede cada uma das outras em seus vários aspectos. Altas montanhas, rochedos como colunas superpostas, florestas luxuriantes...cada pequena eminência coroada com sua igreja ou fortaleza..., tudo isso se reúne para tornar o Rio de Janeiro a cena mais encantadora que a imaginação pode conceber.
Muita tinta foi gasta, ao longo do tempo, para se falar da primeira abordagem ao Rio de Janeiro. Vários foram os historiadores e cronistas que se debruçaram sobre o tema sem que, na maior parte das vezes, se vislumbrasse um consenso entre eles. Para muitos, essa abordagem aconteceu no dia 1o de janeiro de 1502, quando por aqui teria passado uma expedição exploratória onde se encontrava o florentino Américo Vespúcio. Essa expedição teria sido a primeira a por os portugueses em contato com o Rio de Janeiro.
No entanto, somente a partir da década de 1550, com a intervenção do então Governador-Geral Tomé de Souza, é que se procurou estabelecer uma povoação mais sedentária no Rio de Janeiro, na tentativa de barrar a entrada de corsários franceses e ingleses que, pouco a pouco, degradavam a mata atlântica com a pilhagem do pau-brasil. Por isso mesmo, o governador-geral reclamava junto às autoridades portuguesas o urgente estabelecimento de uma povoação honrada e boa no Rio de Janeiro, como um meio eficaz de atenuar a investida estrangeira na região.
Não sem razão aquele governante, uma vez que em 1555, quando era Governador-Geral Duarte da Costa, os franceses apoderar-se-iam de uma ilha na Baía de Guanabara, fincando ali uma colônia que seria, conforme mesmo anotado por eles, uma ponta de lança para conquistar todo o litoral brasileiro. Essa colônia francesa seria denominada França Antártica e o comando da expedição estava com Nicolas Durand de Villegagnon. Naquele momento, os franceses conseguiram o apoio dos índios tamoios e, durante algum tempo, fizeram frente às investidas dos portugueses contra a fortificação da ilha onde erigiram o Forte Coligny.
Diante desse quadro, esboçando a perspectiva da perda de uma parte da colônia, o governo português cuidou de expulsar os intrusos que dominavam a baía desde 1555. Coube essa tarefa a Mem de Sá, que no Brasil chegaria em 1557. Os franceses seriam atacados e desalojados da Ilha de Villegagnon e, mais precisamente no dia 1o de março de 1565, Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, ergueria as bases da cidade do Rio de Janeiro, entre os Morros Cara de Cão e Pão de Açúcar. Em carta escrita ao Rei de Portugal, Mem de Sá vangloriava-se: ganhei de novo o Rio de Janeiro.
Sem dúvida, a vitória de Estácio de Sá foi o ato histórico criador da cidade, quando os portugueses garantiram, em 1° de março de 1565, a posse do Rio de Janeiro, rechaçando a partir daí novas tentativas de invasões estrangeiras e expandindo o seu domínio sobre as ilhas e o continente. Construíram na entrada da baía, em uma praia protegida pelo Morro do Pão de Açúcar, uma fortificação composta por simples casinhas feitas de troncos de madeira e barro, que foi mais tarde destruída para dar vez a um povoamento no entorno do Morro do Castelo.
O novo povoado marcou de fato, o começo da expansão urbana. Assim é que, ali, praticamente na entrada da Baía de Guanabara, seria erguida, então, aquela que ficou conhecida como a terra mais fértil e viçosa do Brasil no último quartel do século XVI. E isto, efetivamente, seria uma realidade, uma vez que no ano de 1572 o Rio de Janeiro seria escolhido para sediar a repartição sul do Brasil, com a divisão administrativa adotada pela Coroa portuguesa naquela oportunidade.
Um historiador de renome, o português Oliveira Martins, não hesitaria em escrever, também a propósito desse episódio na Baía de Guanabara, que doravante metade do Brasil estava salvo – nem mais nem menos.
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* Historiador e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais