terça-feira, 19 de abril de 2011

COLUNA

Por aqui passava um homem...*

(reflexões sobre Tiradentes)

Não tenho pretensão, nem poderia, dados os meus parcos conhecimentos sobre o tema, aventurar-me em escarafunchar a vida desse grande brasileiro que vem, ao longo dos anos, admirando as gerações que se sucedem pelo exemplo de patriotismo e desprendimento em prol da causa de uma Nação independente que sonharam um dia, ele e seus contemporâneos, na região das Minas Gerais.

Em uma de minhas crônicas trouxe uma indagação de qual seria a origem do mais autêntico mineiro, ou seja, aquele que conserva até hoje as características que o fizeram distinguir-se dos demais conterrâneos brasileiros.

Pois bem, na minha busca sobre a razão do jeito mineiro de ser, questionando a um e a outro, diversas foram as definições, respostas e até mesmo perplexidades por essa minha preocupação, haja vista que mineiro, conforme me disseram uns e outros, é o mesmo em qualquer um dos 582.000 km2 do território das Minas Gerais.

A realidade não é bem essa, aliás, muitos dos indagados desconheciam, inclusive, a origem da palavra “minas gerais”. Então, como poderiam bem retratar aquele condomínio onde o mineiro revela toda a sua, digamos, mineiridade?

As Minas Gerais, historicamente, surgiram em oposição às minas particulares, da região dos rios das Velhas, das Mortes e dos Caetés, nas mãos dos paulistas desde as suas incursões bandeirantes em busca de índios, ouro, prata e pedras preciosas. As diversas refregas havidas na região, entre uns e outros mineradores, deram ensejo ao surgimento da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, aí por volta de 1709, na região que hoje conhecemos como Tiradentes - a antiga São José del Rey -, criando-se, então, uma alternativa geográfica para esse povo secular.

Poucos anos depois – 1720 – a separação da Capitania de São Paulo das Minas Gerais seria uma realidade atestada de forma dolorosa pelo martírio de Felipe dos Santos. Mas isto é uma outra história...Voltemos ao nosso tema.

Retornando há poucos dias àquela região – onde o ouro jorrou aos borbotões fazendo a riqueza de poucos e a desgraça de muitos – novamente veio-me à mente a indagação original, qual seja: a razão de ser do mineiro.

Subindo pela Rodovia dos Inconfidentes, no alto da Serra da Santa, qual não foi a minha surpresa ao ver-me encantado com o que se descortinava diante de meus olhos, perambulando a visão nas mais longínquas distâncias, estendendo-se ao longo de montanhas, montes e vales deslumbrantes, daquelas paisagens que fazem o espectador ficar extasiado.

Arrisquei, no momento, um palpite para mim mesmo, tentando em vão fixar aquilo que meus olhos teimavam em refletir para dentro de mim. E qual não foi meu espanto ao identificar, ali, naquele momento, à visão quase que paradisíaca de verdes e tinturas dos mais diversos matizes, a resposta à minha, digamos, curiosa indagação primitiva.

Façamos, caros amigos, uma digressão. Transportemo-nos para ali há alguns séculos atrás, e o que vemos? A mesma paisagem, as mesmas montanhas, o mesmo ar comprometedor, constante e mágico, como se sussurrasse aos nossos ouvidos que ali estava plantada a gênese da nacionalidade brasileira, a essência do povo que se transformaria a seguir em uma nação; o comprometimento pessoal e a entrega à imolação de seu corpo e de sua alma em prol da cidadania, da honradez eterna.

Mineirice é isso aí: um comprometimento com a imagem imaculada do doar-se em vida em razão da existência, ou melhor, da sobrevivência da nação, de colocar-se acima do bem e do mal – tal qual o desenho de suas montanhas, cúmplices em todos os momentos da vida que por ali transborda em luzes cada vez mais fúlgidas – de dar ao viajor um pouso seguro e demonstrar sua hospitalidade, o seu prazer em tê-lo naquele momento, compartilhando a sua maneira de ser, o seu jeito mineiro de ser.

Fiquemos com a imagem viva do mártir de nossa independência e que ela seja sempre um norte para esse nosso povo sofrido, mas sempre esperançoso de melhores dias. Acreditemos que o sacrifício dado em prol da grandeza da Pátria não tenha sido em vão.

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* Verso de Cecília Meireles, em “O Romanceiro da Inconfidência”.

** Historiador e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais