terça-feira, 31 de maio de 2011

COLUNA


Então, nós vai ou não vai pescar?
                                                                                                          Paulo Paranhos*

Dando uma pausa nos meus escritos sobre a História das Minas Gerais e sobre o nosso Museu de Caxambu e depois de todo mundo, achei por bem, também, tecer alguns comentários sobre o livro distribuído pelo MEC para os cursos de EJA (Educação de Jovens e Adultos) intitulado “Por uma vida melhor”. Nele, seus autores pretendem demonstrar que a norma culta pode muito bem ser dispensada a partir do momento em que o linguajar cotidiano expresse aquilo que realmente se queira dizer, ou seja, se uma das palavras está no plural, subentende-se que os demais elementos também sejam plurais, independentemente de estarem grafados no singular. Assim entendido, algumas frases que podem ali ser encontradas, como “nós pesca o peixe”, por exemplo, traduzem a inconsciência dos autores que chegam às raias de achar que aqueles que dessa forma se expressam podem ser vítimas de um “preconceito linguístico” por parte daqueles que pretendem pugnar pela norma culta. Ora, já está tão difícil levarmos educação para as nossas crianças, num mundo cheio de apelos consumistas que, chegar ao ponto de considerar o errado certo no ensino da Língua Portuguesa, aquela “luz no fim do túnel”, a que tanto aspiramos para o desenvolvimento deste país, fica mais débil e distante frente a essa bizarra realidade.
Já não bastasse a situação trágico-cômica de se proibir a reprovação, surge agora mais uma ideia estapafúrdia brotada de mentes que querem ver, penso eu, o nivelamento total e irremediável por baixo da educação nacional.
Lembro-me bem que no meu tempo de estudante (primário, depois ginasial e científico), o ideal era que professores e alunos não se afastassem da norma culta.  As aulas eram essencialmente expositivas e na maioria das vezes os alunos tinham até medo de manifestar-se frente aos professores. Em correspondência a mim enviada versando sobre o tema, lembra-me o meu caro amigo Márcio Lauria que o festejado professor Antenor Nascentes, catedrático de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II, chegou a elaborar uma “tabela dos erros crassos”: bastaria o aluno cometer um dos deslizes catalogados, para perder até metade do valor da nota máxima. Entre esses “crimes” estavam a discordância verbal, a separação por vírgula do sujeito e verbo imediatamente colocados, o desacerto da regência verbal, a construção de frases desconexas.
Nos livros em que estudei teoria gramatical, tudo era mostrado com rigor e cobrado a cada aula. Exigia-se que, por um tipo qualquer de milagre, crianças, oriundas às vezes de famílias onde ninguém nunca havia lido um livro, aprendessem concordância, regência, emprego da crase, conjugação de verbos, pontuação, ortografia. E, na maioria das vezes, aprendemos para sempre!
No caso em questão, vozes exponenciais como, por exemplo, a do professor Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, argumentam com muita propriedade e preocupação quanto à veiculação nas escolas desse anódino livro que pretende, em síntese, desqualificar as regras gramaticais e, mais além, nas precisas palavras da Dra. Janice Ascari, Procuradora da República, cometer “um crime contra os nossos jovens, prestando um desserviço à educação já deficientíssima do país e desperdiçando dinheiro público com material que emburrece em vez de instruir”. Segundo ela, essa é uma conduta “inadmissível, inconcebível e, certamente, sofrerá ações do Ministério Público” (Revisa Veja, 25.5.2011).
Entre todos os envolvidos no quadro dantesco que o livro gera, sem dúvida, os principais prejudicados serão os nossos jovens estudantes que, lutando bravamente – da mesma forma que milhões neste país estão lutando para assimilar o novo Acordo Ortográfico – veem-se agora às voltas com sandices gramaticais como aquelas consignadas na obra distribuída pelo MEC.
Concordo, ipsis verbis, com o jornalista Alexandre Garcia que, no Bom Dia Brasil, alertou que tudo isto pode ser uma “chancela para a ignorância”.

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* Historiador.