O voto feminino
Paulo Paranhos*
Neste mês de julho comemoramos os 77 anos de promulgação da Constituição de 16 de julho de 1934, considerada uma das mais expressivas e avançadas do país, espelho daquela promulgada na Alemanha em 1919 - a Constituição da República de Weimar.
Dotada de características próprias, buscando a valorização do homem dentro do contexto sócio-econômico da nação brasileira, a Constituição de 1934 deu uma nova dimensão ao aparato jurídico-político quando, em seu artigo 108, determinava que “são eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”. Um avanço e uma conquista social sem limites, uma vez que seria dado o direito de voto ao sexo feminino, até então relegado a um plano secundário na política nacional. Ou melhor, relegado a plano nenhum.
Entrava o Brasil, desta forma, no seio daquelas nações que valorizavam o papel da mulher na sociedade, antecipando-se, inclusive, à própria França que somente após a Segunda Guerra Mundial daria direito de voto as suas mulheres.
Despojada de identidade, a mulher brasileira assumiu ao longo de quatro séculos papéis que a subordinavam a atividades que envolviam essencialmente as prendas domésticas, as amas-de-leite, as escravas ou as prostitutas. São raríssimas as exceções demonstradas com relação à participação feminina na formação da História do Brasil. Caso tenhamos um mínimo de curiosidade em compulsar alguma enciclopédia de vultos históricos, poderemos constatar que num universo de 100 personalidades apenas 0,5% (!) retrata a mulher como uma personalidade histórica.
Fazendo ainda um pequeno esforço de memória, o que nos vem à mente? Uma Princesa Isabel (que, por razões dinásticas, foi a primeira mulher a ocupar uma vaga no Senado Imperial), uma sóror Joana Angélica, uma Maria Quitéria, talvez uma Anita Garibaldi... e é só. Na realidade, à sombra dos homens ilustres que formaram a pátria brasileira estavam mulheres importantes, denodadas e fortes, prontas mesmo a qualquer chamamento político, social, cultural, mas que o embotamento masculino tornava destinado o seu papel à cozinha ou à cama.
No século passado, em 1922, Berta Lutz, pioneira do feminismo no Brasil, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo trabalho de mulheres sem autorização prévia do marido. Seguindo essa esteira, os estados do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais foram pioneiros na legalização do voto feminino: a primeira eleitora registrada foi Celina Guimarães Viana que, em 1927, invocou o artigo 17 da lei eleitoral potiguar, que dispunha sobre o voto, sem distinção de sexo, para todos os cidadãos que reunissem as condições exigidas na lei, peticionando ao então juiz eleitoral para inscrevê-la como eleitora, o qual deu parecer favorável, incluindo-a no rol dos eleitores, tendo-se pugnado, na época, junto ao Senado Federal pela aprovação do projeto que instituía o voto feminino. Contudo, em nível nacional, antes do advento da Constituição de 1934, o fato que mais repercutiu em relação às mulheres foi ter a escritora, advogada e feminista mineira, Mietta Santiago, em 1928, notado que a proibição ao voto feminino contrariava o artigo 70 da Constituição vigente (1891), estabelecendo dentre seus artigos que "são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei", sem qualquer discriminação de sexo. Com base nisso, impetrou mandado de segurança e obteve liminar que lhe permitiu votar em si mesma para um mandato de deputada federal. Embora não tivesse conseguido se eleger, o que seria uma ousadia para a época, o Partido Republicano do Rio Grande do Norte, aproveitando-se dessa brecha aberta por Mietta Santiago, pode candidatar a potiguar Luiza Alzira Soriano Teixeira, que se tornaria a primeira mulher a ser eleita para um mandato político no Brasil: tomou posse no cargo de intendente do município potiguar de Lages, no ano de 1929.
Felizmente contra toda essa celeuma e contra todo esse preconceito levantaram-se os constituintes de 1933 e alteraram fundamentalmente o quadro de participação política no Brasil. A partir dali surgiriam mulheres importantes como a Dra. Carlota Pereira de Queirós, médica de São Paulo, que seria efetivamente a primeira deputada brasileira. Foi, sem dúvida, uma conquista memorável o voto feminino, assim como foi conquista digna de relevo o Capítulo II daquela Carta Magna, consagradora dos Direitos e das Garantias Individuais, fonte onde beberam todas as outras Constituições que se intitularam democráticas. Mesmo assim, as barreiras não foram transpostas com facilidade, pois somente no ano de 1979 o Brasil conheceria a primeira mulher a ocupar uma vaga no Senado Federal: Eunice Michiles, uma paulista que fora conduzida através de processo eletivo pelo estado do Amazonas. Pelo voto direto, somente em 1990 uma mulher ocuparia o cargo de senadora: a mineira Júnia Marise. Um hiato muito grande, considerando-se o potencial de tantas e quantas que lutaram bravamente para o desenvolvimento deste país.
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* Historiador