terça-feira, 19 de junho de 2012

COLUNA


LALÁ: TAMANHO NÃO É DOCUMENTO

                                                                                              Paulo Paranhos*

Eu sou pequeno por fora
Mas grande por dentro
Tamanho não é documento!
Eu digo sem constrangimento
Eu sou pequeno por fora
Mas grande por dentro.

Por fora eu sou tão pequenino
Raquítico, fraco e franzino
Anêmico, pálido e mal-acabado
Coitado! Coitado!
Vocês não me enxergam por dentro, porém
Apoiado! Muito bem!

O meu coração anda louco
Já mede um quilômetro e pouco
E bate talvez a duzentos por hora
E agora? E agora?
Agora ele voa fugindo de alguém
Apoiado! Muito bem!

Lamartine de Azeredo Babo nasceu no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro em 10 de janeiro de 1904, filho de Leopoldo Azeredo Babo e de Bernarda Preciosa Gonçalves. Torcedor fanático do América fantasiou-se de diabo saiu pelas ruas do Rio, quando o seu time foi campeão no ano de 1960: “Hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer, pois a torcida americana é toda assim, a começar por mim, a cor do pavilhão e a cor do nosso coração...”.
Lamartine criou melodias maravilhosas, resultantes de seu espírito inventivo e altamente versátil, mesmo sendo ele um leigo em teoria musical. Mas o seu dom vem de infância, pois sua mãe e uma irmã tocavam piano e o pai era amigo, dentre outros, de Ernesto Nazaré e Catulo da Paixão Cearense, que frequentavam sua casa.
Tentou na década de 1920 estudar engenharia, mas a situação financeira da família o obrigou a trabalhar como mensageiro na Light. Economizando algum dinheiro, conseguia assistir, de vez em quando, algumas operetas no Teatro Municipal ou no São Pedro de Alcântara (hoje, João Caetano). Dessa influência, compôs uma opereta chamada “Cibele”.
Contudo, foi através das marchinhas carnavalescas, cantadas até hoje, que o seu nome se tornou mundialmente conhecido como o rei do carnaval. Seu grande amigo, Eduardo Souto, incentivou-o em composições nesse campo e em 1925 fez sucesso com a marchinha “Foi você”.
Em suas letras, predominavam o humor e a irreverência, alcançando os extremos da alma brasileira: a gozação e o sentimento. Em 1930, na Rádio Educadora, começou a fazer o programa “Horas Lamartinescas”, onde divulgava suas músicas, contava piadas e improvisava trocadilhos. Certa vez contou este interessante caso: certa vez, quando foi enviar um telegrama, o telegrafista bateu o lápis na mesa em código Morse para o seu colega: “Magro, feio e de voz fina”. Lamartine tirou um lápis do bolso e também bateu: “Magro, feio, de voz fina e ex-telegrafista”!
Em 1931, entusiasmado com a melodia que Ary Barroso havia composto para o poema “Na grota funda”, de J. Carlos, Lamartine resolveu fazer outra letra, mudando o título da composição para “No Rancho Fundo”: “No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo...”.
Pelo gosto que despertou em Ary Barroso, passaram os dois a compor uma série de sucessos. Em 1933 fez sucesso com “Linda Morena” e a seguir viriam “Ride Palhaço” “Isto é lá com Santo Antonio”, “Grau 10”, em parceria com Ary Barroso.
Outro grande sucesso de Lamartine foi composto em 1932 em parceria com os irmãos Valença: “O teu cabelo não nega”. No ano de 1935 aconteceu um fato curioso em sua vida: começou a receber, da cidade de Boa Esperança, em Minas Gerais, cartas poéticas e apaixonadas, assinadas por uma Nair Pimenta de Oliveira. Lamartine passou a corresponder-se com ela por cerca de um ano, até que veio o adeus numa última carta de Nair, dizendo que iria se casar. Meses mais tarde, receberia uma carta do dentista Carlos Alves Neto, da cidade Boa Esperança, convidando-o para a festa de estreia de um conjunto musical. Sonhando encontrar-se com Nair. Lamartine foi para Minas, recebido com banda de música e a grande surpresa de sua vida: Nair era uma menininha, sobrinha do dentista, este o verdadeiro autor das cartas de amor! Por tudo isso, surgiu uma das mais belas canções de Lamartine e do cancioneiro nacional: “Serra da Boa Esperança”, que foi gravada pioneiramente por Francisco Alves em 1937:

Serra da Boa Esperança, esperança que encerra
No coração do Brasil um punhado de terra
No coração de quem vai, no coração de quem vem
Serra da Boa Esperança meu último bem
Parto levando saudades, saudades deixando
Murchas caídas na serra lá perto de Deus
Oh, minha serra eis a hora do adeus vou me embora
Deixo a luz do olhar no teu luar
Adeus
Levo na minha cantiga a imagem da serra

Sei que Jesus não castiga o poeta que erra
Nós os poetas erramos, porque rimamos também
Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem
Serra da Boa Esperança não tenhas receio
Hei de guardar tua imagem com a graça de Deus
Oh minha serra eis a hora do adeus vou me embora
Deixo a luz do olhar no teu luar
Adeus.
Em 1951, casou-se com Maria José, numa cerimônia fechada e com ela viveu até o fim de sua vida, em 16 de junho de 1963.
Independentemente dos grandes sucessos carnavalescos, Lamartine Babo também é lembrado por melodias imortalizadas na voz dos grandes intérpretes, como Carlos Galhardo e, como era um apaixonado por futebol, compôs o hino de cada clube do Rio de Janeiro, com exceção do Campo Grande, lançando-os no programa “Trem da Alegria”, da Rádio Nacional.
Seu grande amigo e parceiro, João de Barro, o Braguinha, disse certa vez que: “Costumo dividir o carnaval em duas fases: antes e depois de Lamartine”!
No próximo ano serão cinquenta anos sem Lalá; esperemos que justas homenagens sejam feitas a ele, um dos grandes compositores do cancioneiro nacional.

__________
* Historiador