terça-feira, 28 de maio de 2013

COLUNA


NÓS, O POVO

Tomo a liberdade, nesta oportunidade, de trazer dois textos para, principalmente, a reflexão de todos nós. No último dia 23 de maio, em sua coluna no jornal “Lance!”, o jornalista Benjamin Back mostrava-se incrédulo quanto ao fim dos alambrados nos estádios de futebol brasileiros, mostrando por a + b que, passada a euforia da Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014, tal “utopia” (os campos sem alambrados) viria finalmente à tona. Não estamos na Europa ou no Japão, de acordo com o colunista, e sim no Brasil, onde as leis não são cumpridas e onde culturalmente deixamos a desejar há muito tempo.
Avança em seus comentários – e pessimismos – falando sobre a impunidade, a sensação de impotência que se sobrepõe a todo o povo brasileiro, enfim, o nosso inconformismo diante de tantas malversações do dinheiro público. “Ser vítima de um assalto e sair vivo no Brasil se tornou motivo de alegria. Morrer com bala perdida deixou de ser novidade”, exclama com indignação. Finaliza externando a sua tristeza e a sua desilusão, afirmando categoricamente que aqui não há jeito, que aqui nada irá mudar nunca!
O comentário do jornalista realmente me convence, sobretudo quando vemos (ou imaginamos) rios de dinheiro sendo gastos na recuperação ou construção de estádios de futebol em detrimento de alocação de verbas na educação, na saúde, na segurança, nos transportes de massa (que deveria ser obrigação do governo). E quando falamos em rios de dinheiro assomam cifras as quais nunca tínhamos ideia do que seria, ou por acaso topamos diariamente com 1 bilhão de reais? E depois da Copa das Confederações, mais reformas...
Por outro lado, para apaziguar um pouco a minha angústia quanto à desfaçatez com o dinheiro público, reli um dos mais expressivos textos do consagrado Eça de Queiroz, e esse pensamento do genial romancista português deveria ser largamente divulgado, para que assim, quem sabe, houvesse um pouco de vergonha na cara de uns poucos que tratam as gentes do povo como se fossem seus lacaios.
E o grande retratado por Eça de Queiroz somos nós, o Povo, aquele que faz a grandeza de uma nação:
“Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo.
Estes homens estão sob o peso de calor e de sol, transidos pelas chuvas, roídos de frio, descalços, mal nutridos; lavram a terra, resolvem-na, gastam a sua vida, a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes são o Povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respiram mal, comendo pouco, sempre na Véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal o mineiro, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o povo, e são os que nos enriquecem.
Estes homens, nos tempos de lutas e crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal, com manchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.
Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.
Estes homens são os que nos servem.
E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem?
Primeiro, despreza-os; não pensa neles, não vela por eles, trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e de dificuldades; forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.
É por isso que os que têm coração e alma, e amam a justiça, devem lutar e combater pelo Povo.
E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema”.

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* Historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais