A mulher adquire a
sua cidadania plena
Neste ano comemoramos os 80 anos de promulgação
da Constituição de 16 de julho de 1934, considerada uma das mais expressivas e
avançadas do país, espelho daquela promulgada na Alemanha em 1919 - a
Constituição da República de Weimar.
Dotada de características próprias, buscando a
valorização do homem dentro do contexto sócio-econômico da nação brasileira, a
Constituição de 1934 deu uma nova dimensão ao aparato jurídico-político quando,
em seu artigo 108, determinava que “são eleitores os brasileiros de um e de
outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei”. Um avanço e
uma conquista social sem limites, uma vez que seria dado o direito de voto ao
sexo feminino, até então relegado a um plano secundário na política nacional.
Entrava o Brasil, desta forma, no seio daquelas
nações que valorizavam o papel da mulher na sociedade, antecipando-se,
inclusive, à própria França que somente após a Segunda Guerra Mundial daria
direito de voto as suas mulheres.
Despojada de identidade, a mulher brasileira
assumiu ao longo de quatro séculos papéis que a subordinavam a atividades que
envolviam essencialmente as prendas domésticas, as amas-de-leite, as escravas
ou as prostitutas. São raríssimas as exceções demonstradas com relação à
participação feminina na formação da História do Brasil. Caso tenhamos um mínimo
de curiosidade em compulsar alguma enciclopédia de vultos históricos, poderemos
constatar que num universo de 100 personalidades apenas 0,5% (!) retrata a mulher como uma personalidade
histórica.
Fazendo ainda um pequeno esforço de memória, o
que nos vem à mente? Uma Princesa Isabel (que, por razões dinásticas, foi a
primeira mulher a ocupar uma vaga no Senado Imperial), uma sóror Joana
Angélica, uma Maria Quitéria, talvez D. Joaquina do Pompéu... e é só. Na
realidade, à sombra dos homens ilustres que formaram a pátria brasileira
estavam mulheres importantes, denodadas e fortes, prontas mesmo a qualquer
chamamento político, social, cultural, mas que o embotamento masculino tornava
destinado o seu papel à cozinha ou à cama.
No século
passado, em 1922,
Berta Lutz,
pioneira do feminismo no Brasil, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino, que lutava pelo voto, pela escolha do domicílio e pelo
trabalho de mulheres sem autorização prévia do marido. Seguindo essa esteira,
os estados do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais foram pioneiros na legalização
do voto feminino: a primeira eleitora registrada foi Celina Guimarães Viana que, em 1927,
invocou o artigo 17 da lei eleitoral potiguar, que dispunha sobre o voto, sem
distinção de sexo, para todos os cidadãos que reunissem as condições exigidas
na lei, peticionando ao então juiz eleitoral para inscrevê-la como eleitora, o
qual deu parecer favorável, incluindo-a no rol dos eleitores, tendo-se pugnado,
na época, junto ao Senado Federal pela aprovação do projeto que instituía o
voto feminino. Contudo, em nível nacional, antes do advento da Constituição de
1934, o fato que mais repercutiu em relação às mulheres foi ter a escritora,
advogada e feminista mineira, Mietta Santiago, em 1928, notado que a proibição
ao voto feminino contrariava o artigo 70 da Constituição vigente (1891),
estabelecendo dentre seus artigos que "são eleitores os cidadãos maiores
de 21 anos que se alistarem na forma da lei", sem qualquer discriminação
de sexo. Com base nisso, impetrou mandado de segurança e obteve liminar que lhe
permitiu votar em si mesma para um mandato de deputada federal. Embora não
tivesse conseguido se eleger, o que seria uma ousadia para a época, o Partido
Republicano do Rio Grande do Norte, aproveitando-se dessa brecha aberta por
Mietta Santiago, pode candidatar a potiguar Luiza Alzira Soriano Teixeira, que
se tornaria a primeira mulher a ser eleita para um mandato político no Brasil:
tomou posse no cargo de intendente do município potiguar de Lages, no ano de
1929.
Felizmente contra toda essa celeuma e contra
todo esse preconceito levantaram-se os constituintes de 1933 e alteraram
fundamentalmente o quadro de participação política no Brasil. A partir dali
surgiriam mulheres importantes como a Dra. Carlota Pereira de Queirós, médica
de São Paulo, que seria efetivamente a primeira deputada brasileira. Foi, sem
dúvida, uma conquista memorável o voto feminino, assim como foi conquista digna
de relevo o Capítulo II daquela Carta Magna, consagradora dos Direitos e das
Garantias Individuais, fonte onde beberam todas as outras Constituições que se
intitularam democráticas. Mesmo assim, as barreiras não foram transpostas com
facilidade, pois somente no ano de 1979 o Brasil conheceria a primeira mulher a
ocupar uma vaga no Senado Federal: Eunice Michiles, uma paulista que fora
conduzida através de processo eletivo pelo estado do Amazonas. Pelo voto
direto, somente em 1990 uma mulher ocuparia o cargo de senadora: a mineira
Júnia Marise. Um hiato muito grande, considerando-se o potencial de tantas e
quantas que lutaram bravamente para o desenvolvimento deste país.