120 anos de uma
grande obra: Caxambu
Parte II
O jogo
Adiante,
mais ameno na crítica, o Dr. Monat fala sobre as diversões do povoado,
geralmente encontradas nos hotéis e com grande afluência de público. Dá um
panorama do parque das águas, merecendo dele severas observações quanto aos
cuidados que o mesmo merecia, uma vez que, apesar de agradáveis passeios pelo
bosque, não raro encontrar-se o abandono na vegetação e o mal cuidado que se
tem com as árvores, principalmente as nativas, que eram constantemente feridas
pelos machados da empresa de engarrafamento da água mineral.
Anotou
o estado lastimável em que se encontrava, principalmente pelo descaso para com
o ribeirão Bengo que, graças ao calor e à umidade, tinha grande fermentação das
matérias orgânicas atiradas a esmo no seu leito. Um projeto levado a efeito
para se aterrar o parque com terra tirada do morro do Caxambu só serviu para
deixar o ribeirão Bengo mais assoreado, o que provocava, em época de grandes
chuvas, o seu transbordamento e inundação de grande parte do parque, inclusive
de algumas fontes, como a D. Isabel e a Conde D’Eu, lindeiras ao ribeirão.
Falando
sobre o jogo, o Dr. Monat foi bastante específico: “Eu sabia, desde o Rio, que
em Caxambu dominava insolente a jogatina desbragada e que era publicada pelo
Jornal do Commercio”. Anotou que muita gente fechava seus negócios para pôr o
dinheiro na roleta! A sorte que procuravam como uma vida fácil, no entanto, nem
sempre lhes sorria. No início, as roletas eram camufladas atrás dos bilhares,
pois eram proibidas pelas autoridades do distrito. No entanto, nada escapava à
observação mordaz e arguta do Dr. Monat e para melhor discorrer em seu livro
sobre a jogatina, visitou um desses locais: “Avistei senhoras graves, do grand
monde, cavalheiros distintíssimos, excelentes pais de família, negociantes,
médicos, lavradores, todos eles muito respeitáveis; raparigas elegantes,
rapazes os mais janotas; todos de semblante risonho, muito entretidos,
escolhendo números, fazendo combinações, consultando palpites, a recolher
fichas, a distribuí-las de novo pelo tapete sobre números”.
E,
mais observador ainda, deu-nos um panorama da esperteza que corria solta
naqueles antros de jogatina. Havia ali os chamados “faróis”, homens pagos pelos
banqueiros para fazer número, animar, atrair, fazer movimento, fingir que a
banca estava quebrando, para os incautos apostarem suas economias e perde-las,
é claro; outra figura, o “mosca”, um homem que, sem jogar muito, oferecia a sua
cadeira para alguém que lhe estava pretensamente dando sorte; outro era o “asa
negra”, que causava infelicidade ao jogador e, via de regra, era expulso da
mesa. Os tipos eram muitos e variados, mas com o Dr. Monat traçou uma especial
definição do banqueiro do jogo: era quase sempre um senhor de aspecto grave,
muito atencioso, de boas maneiras, um verdadeiro cavalheiro, pronto a explicar
aos inexperientes os segredos e as probabilidades de se ganhar na roleta!
Contudo,
apesar da proibição da roleta, outras apostas eram concorridas: o sete e meio,
o lansquenet, o chemin de fer, ou seja, jogos de baralho que tinham um público fiel
nos quartos dos hotéis, que fugiam aos olhares das autoridades distritais!
A higiene e os
hotéis
Não
faltaram observações críticas com relação ao dia a dia da freguesia: não existia
rua nivelada e depois de uma chuva forte as mesmas ficavam intransitáveis,
encontrando-se buracos em todas elas, local propício para despejo de detritos
de toda sorte, lixo, imundícies tiradas dos quintais e todo esse material era
calcado pelos carros de boi, a não ser que as chuvas o arrastasse e espalhasse
pelas vias. Era enfático, dizendo não exagerar quando falava do aspecto das
ruas que, segundo ele, era tristíssimo. Eram, além do que já se relatou,
aladeiradas, sem calçamento e nunca varridas. Caso chovesse, era lama para todo
lado e quando o sol reaparecia, iniciava-se um processo de intensa fermentação
das matérias orgânicas que eram jogadas às ruas. É de se imaginar o cheio
nauseabundo que provocavam.
Não
havia iluminação pública, excetuando-se à frente dos bilhares e os moradores
eram obrigados, à noite, a andar com lanternas sob o risco de caírem em um dos
muitos buracos existentes nas ruas.
Relatou,
com intensa emoção, as curas praticadas com o uso constante e correto desse ou
daquele tipo de água que, diga-se de passagem, à época não eram tantas, ou
melhor, ainda não tinham aflorado da forma como hoje as conhecemos. O Dr. Monat
foi uma testemunha singular na formação histórica de Caxambu, relembrando
passagens de personagens que formaram a nossa história: João Constantino,
Manoel Joaquim, o conselheiro Mayrink e tantos outros benfeitores do nascente
arraial das águas virtuosas. Fez questão de deixar consignado um voto de louvor
ao jornalista Praxedes da Costa, que dirigia o Correio de Caxambu e ali pugnava veementemente pela higienização da
freguesia.
Observador
atento, Monat enumerou-nos os hotéis existentes no povoado, dizendo ter cerca
de dez e mais ou menos umas trinta casas mobiliadas. Anotou que os principais
eram o da Empresa, o Caxambu, o Silva, o Correia Nunes, o Paulista, o Lima, o
Ferreira e o Internacional. Segundo ele, todos ocupando prédios acanhados, com
exceção para o da Empresa e o Caxambu, em casarões que, apesar de construídos
de pouco tempo, pareciam muito velhos, dado o desmazelo para com os mesmos. Não
tinham condições higiênicas e econômicas exigidas para um hotel e, um dado
interessante que observara: os cariocas e os paulistanos procuravam o Hotel da
Empresa; os turistas do interior dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio
de Janeiro preferiam o Hotel Caxambu e os portugueses hospedavam-se no Hotel
Silva. Disse ele que a comida era sofrível na maior parte dos hotéis, com
exceção do Hotel da Empresa e o Hotel Silva, que tinham uma cozinha mais
condizente com o paladar dos turistas.
O Hotel da Empresa
Ainda
sobre os hotéis e principalmente sobre a alimentação que serviam aos turistas,
o Dr. Monat foi bastante perspicaz em suas anotações e fez até mesmo uma
pequena comparação: “Nas cidades balneárias e hidrominerais da Europa a
alimentação dos doentes é assunto de máximo cuidado da parte de todos –
governo, médico, hoteleiros e hóspedes. Pois bem, aqui em Caxambu a coisa era
um pouco diferente: Durante trinta ou quarenta dias, a mesma refeição monótona
e enjoada: feijão, carne assada (até secar), lombo de porco, bifes fritos (a
grelha é arma proibida em Caxambu!), o modesto arroz, frango magro, triste menu
para almoço e jantar de dispépticos que são obrigados a servir-se da mostarda e
dos picles, como de vareta para empurrar a boia, prejudicando o estômago”. E
acrescentava: “Critiquem-me, embora, eu não cessarei de repetir: a cozinha, na
maioria dos hotéis de Caxambu, é a mais inconveniente possível aos doentes. Que
visão fantástica do modo da vida contemporânea!”
E,
finalizando, notem o humor em suas palavras quando se referiu aos cozinheiros
dos hotéis caxambuenses: “Não há um cozinheiro em Caxambu que não se apregoe
ex-cozinheiro do Hotel Gustavo, de Juiz de Fora ou do Hotel de França de São
Paulo. Vatel[1]
não perfilharia a muitos deles; Brillat-Savarin[2]
os condenaria à forca!”