terça-feira, 14 de outubro de 2014

COLUNA


120 anos de uma grande obra: Caxambu
Parte II

O jogo
Adiante, mais ameno na crítica, o Dr. Monat fala sobre as diversões do povoado, geralmente encontradas nos hotéis e com grande afluência de público. Dá um panorama do parque das águas, merecendo dele severas observações quanto aos cuidados que o mesmo merecia, uma vez que, apesar de agradáveis passeios pelo bosque, não raro encontrar-se o abandono na vegetação e o mal cuidado que se tem com as árvores, principalmente as nativas, que eram constantemente feridas pelos machados da empresa de engarrafamento da água mineral.
Anotou o estado lastimável em que se encontrava, principalmente pelo descaso para com o ribeirão Bengo que, graças ao calor e à umidade, tinha grande fermentação das matérias orgânicas atiradas a esmo no seu leito. Um projeto levado a efeito para se aterrar o parque com terra tirada do morro do Caxambu só serviu para deixar o ribeirão Bengo mais assoreado, o que provocava, em época de grandes chuvas, o seu transbordamento e inundação de grande parte do parque, inclusive de algumas fontes, como a D. Isabel e a Conde D’Eu, lindeiras ao ribeirão.
Falando sobre o jogo, o Dr. Monat foi bastante específico: “Eu sabia, desde o Rio, que em Caxambu dominava insolente a jogatina desbragada e que era publicada pelo Jornal do Commercio”. Anotou que muita gente fechava seus negócios para pôr o dinheiro na roleta! A sorte que procuravam como uma vida fácil, no entanto, nem sempre lhes sorria. No início, as roletas eram camufladas atrás dos bilhares, pois eram proibidas pelas autoridades do distrito. No entanto, nada escapava à observação mordaz e arguta do Dr. Monat e para melhor discorrer em seu livro sobre a jogatina, visitou um desses locais: “Avistei senhoras graves, do grand monde, cavalheiros distintíssimos, excelentes pais de família, negociantes, médicos, lavradores, todos eles muito respeitáveis; raparigas elegantes, rapazes os mais janotas; todos de semblante risonho, muito entretidos, escolhendo números, fazendo combinações, consultando palpites, a recolher fichas, a distribuí-las de novo pelo tapete sobre números”.
E, mais observador ainda, deu-nos um panorama da esperteza que corria solta naqueles antros de jogatina. Havia ali os chamados “faróis”, homens pagos pelos banqueiros para fazer número, animar, atrair, fazer movimento, fingir que a banca estava quebrando, para os incautos apostarem suas economias e perde-las, é claro; outra figura, o “mosca”, um homem que, sem jogar muito, oferecia a sua cadeira para alguém que lhe estava pretensamente dando sorte; outro era o “asa negra”, que causava infelicidade ao jogador e, via de regra, era expulso da mesa. Os tipos eram muitos e variados, mas com o Dr. Monat traçou uma especial definição do banqueiro do jogo: era quase sempre um senhor de aspecto grave, muito atencioso, de boas maneiras, um verdadeiro cavalheiro, pronto a explicar aos inexperientes os segredos e as probabilidades de se ganhar na roleta!
Contudo, apesar da proibição da roleta, outras apostas eram concorridas: o sete e meio, o lansquenet, o chemin de fer, ou seja, jogos de baralho que tinham um público fiel nos quartos dos hotéis, que fugiam aos olhares das autoridades distritais!

A higiene e os hotéis
Não faltaram observações críticas com relação ao dia a dia da freguesia: não existia rua nivelada e depois de uma chuva forte as mesmas ficavam intransitáveis, encontrando-se buracos em todas elas, local propício para despejo de detritos de toda sorte, lixo, imundícies tiradas dos quintais e todo esse material era calcado pelos carros de boi, a não ser que as chuvas o arrastasse e espalhasse pelas vias. Era enfático, dizendo não exagerar quando falava do aspecto das ruas que, segundo ele, era tristíssimo. Eram, além do que já se relatou, aladeiradas, sem calçamento e nunca varridas. Caso chovesse, era lama para todo lado e quando o sol reaparecia, iniciava-se um processo de intensa fermentação das matérias orgânicas que eram jogadas às ruas. É de se imaginar o cheio nauseabundo que provocavam.
Não havia iluminação pública, excetuando-se à frente dos bilhares e os moradores eram obrigados, à noite, a andar com lanternas sob o risco de caírem em um dos muitos buracos existentes nas ruas.
Relatou, com intensa emoção, as curas praticadas com o uso constante e correto desse ou daquele tipo de água que, diga-se de passagem, à época não eram tantas, ou melhor, ainda não tinham aflorado da forma como hoje as conhecemos. O Dr. Monat foi uma testemunha singular na formação histórica de Caxambu, relembrando passagens de personagens que formaram a nossa história: João Constantino, Manoel Joaquim, o conselheiro Mayrink e tantos outros benfeitores do nascente arraial das águas virtuosas. Fez questão de deixar consignado um voto de louvor ao jornalista Praxedes da Costa, que dirigia o Correio de Caxambu e ali pugnava veementemente pela higienização da freguesia.
Observador atento, Monat enumerou-nos os hotéis existentes no povoado, dizendo ter cerca de dez e mais ou menos umas trinta casas mobiliadas. Anotou que os principais eram o da Empresa, o Caxambu, o Silva, o Correia Nunes, o Paulista, o Lima, o Ferreira e o Internacional. Segundo ele, todos ocupando prédios acanhados, com exceção para o da Empresa e o Caxambu, em casarões que, apesar de construídos de pouco tempo, pareciam muito velhos, dado o desmazelo para com os mesmos. Não tinham condições higiênicas e econômicas exigidas para um hotel e, um dado interessante que observara: os cariocas e os paulistanos procuravam o Hotel da Empresa; os turistas do interior dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro preferiam o Hotel Caxambu e os portugueses hospedavam-se no Hotel Silva. Disse ele que a comida era sofrível na maior parte dos hotéis, com exceção do Hotel da Empresa e o Hotel Silva, que tinham uma cozinha mais condizente com o paladar dos turistas.


O Hotel da Empresa

Ainda sobre os hotéis e principalmente sobre a alimentação que serviam aos turistas, o Dr. Monat foi bastante perspicaz em suas anotações e fez até mesmo uma pequena comparação: “Nas cidades balneárias e hidrominerais da Europa a alimentação dos doentes é assunto de máximo cuidado da parte de todos – governo, médico, hoteleiros e hóspedes. Pois bem, aqui em Caxambu a coisa era um pouco diferente: Durante trinta ou quarenta dias, a mesma refeição monótona e enjoada: feijão, carne assada (até secar), lombo de porco, bifes fritos (a grelha é arma proibida em Caxambu!), o modesto arroz, frango magro, triste menu para almoço e jantar de dispépticos que são obrigados a servir-se da mostarda e dos picles, como de vareta para empurrar a boia, prejudicando o estômago”. E acrescentava: “Critiquem-me, embora, eu não cessarei de repetir: a cozinha, na maioria dos hotéis de Caxambu, é a mais inconveniente possível aos doentes. Que visão fantástica do modo da vida contemporânea!”
E, finalizando, notem o humor em suas palavras quando se referiu aos cozinheiros dos hotéis caxambuenses: “Não há um cozinheiro em Caxambu que não se apregoe ex-cozinheiro do Hotel Gustavo, de Juiz de Fora ou do Hotel de França de São Paulo. Vatel[1] não perfilharia a muitos deles; Brillat-Savarin[2] os condenaria à forca!”



[1] François Vatel (1631-1671) foi célebre cozinheiro francês, considerado o inventor do creme de chantilly.
[2] Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826) foi um dos mais famosos epicuristas e gastrônomos de França. É considerado o pai da dieta baixa em hidrocarbonetos.