terça-feira, 28 de outubro de 2014

COLUNA


120 anos de uma grande obra: Caxambu
Parte IV

A classificação de águas

O Dr. Monat apresenta um estudo interessante sobre as águas, lembrando a antiga fonte Intermitente, hoje não mais existente, e que na ocasião os turistas a comparavam com os gêiseres europeus e anotou que o Dr. Viotti perfurou esse poço em 1886, atingindo a uma profundidade de 35 metros: a água obtida, depois de completos os trabalhos, jorrava em efervescência, com grande ruído, formando uma coluna de oito metros de altura acima do solo, que se mantinha dez, quinze minutos; reproduzia-se a irrupção de duas em duas horas; no fim de algum tempo começou a diminuir a altura; os intervalos também foram se tornando mais curtos, até que chegaram a ser de meia hora. Julgou-se aumentar a produção do poço perfurando a rocha mais dez metros; não se obteve o resultado desejado, mas cessou a intermitência.
No ano de 1873, uma comissão designada pelo governo imperial e capitaneada pelo Dr. Agostinho José de Sousa Lima testou a termalidade das águas de Caxambu, declarando que procedendo a repetidas observações termométricas em dias diferentes, reconheceu a comissão que nenhuma dessas águas merecia a reputação de termal, e que longe disso a sua temperatura era sempre inferior de 1º, 2º, 3º e até 5º à do ar ambiente. Somente em uma fonte ainda não beneficiada, situada em uma pequena mata próxima, o termômetro marcou uma diferença de 3º a 4º apenas acima da temperatura ambiente, o que não autoriza de modo algum a considera-la termal.
Com relação a essas observações, o Dr. Monat contestaria as informações da comissão, o que originou, adiante, uma grande discussão entre ele e o Dr. Sousa Lima, objeto, inclusive, de uma refutação daquele em função das análises realizadas pelo Dr. Monat.
Ainda sobre a termalidade das águas de Caxambu, o Dr. Monat valeu-se, inclusive, de um depoimento prestado pelo insigne visconde de Taunay que ali estivera em 1879: Achei-a quase tépida, talvez com 24º C. Aliás, noto elevação em todas as fontes. Porque será? Como, em geral, quanto mais quentes as águas mineralizadas, tanto mais proveitosas, parece que estas de Caxambu aumentaram de valor terapêutico. Parece, porém, plausível que esse argumento de calor seja devido à boa captação, vindo agora diretamente e com mais rapidez a água de camadas fundas, sem sofrer a ação dos terrenos intermédios até a superfície, em que se derrama”.
Outras importantes análises foram realizadas pela comissão designada pelo governo republicano no ano de 1892, exatamente quando o Dr. Monat se encontrava em Caxambu e desta vez capitaneadas pelo general Cesar Diogo. Assim, parece que ambas chegaram a um acordo quanto às características fundamentais das águas: a comissão de 1873 classificou as águas de Caxambu como alcalino-gasosas e alcalino-férreo-gasosas, e, segundo o Dr. Sousa Lima, na esteira daquilo que discriminara o Dr. Viotti. Já a comissão de 1892, de acordo com o Dr. Monat, assim concluiu: Do confronto das análises, cujos resultados aqui se acham consignados, resulta grande analogia na composição química das águas minerais de Caxambu, devendo naturalmente ser incluídas entre as águas alcalino-gasosas ou bicarbonatadas.

A partir daí, o Dr. Monat estabeleceu em sua obra um interessante quadro comparativo das ações técnicas tomadas por ambas as comissões, e por ele mesmo, conforme se pode depreender foto a seguir, que está estampada em sua obra na página 143:


Classificou as águas em gasosas, as das fontes D. Pedro e Viotti, onde a presença do ácido carbônico dava a verdadeira qualidade das águas, distinguindo-as das demais e que podem ser comparadas às águas de Vichy (França) e de Vals (Suíça).
As águas gasosas férreas, como a D. Isabel e a Conde D’Eu, onde se encontra uma dosagem elevada desse ácido carbônico necessário à dissolução do ferro, o que não acontece com grande frequência nas águas de Spa (Bélgica), Forges (França) e Orezza (França), entre outras.
Finalmente, as águas férreas ligeiramente sulfurosas, assim como a D. Leopoldina, a Duque de Saxe e a desaparecida Intermitente. Aí reside a grande discussão travada pelo Dr. Monat com o laudo das comissões de 1873, de 1892 e do parecer do Dr. Sousa Lima em 1888. Segundo eles, essas águas poderiam ser classificadas como sulfurosas secundárias, acidentais ou degeneradas, com ausência total da água sulfurosa, entendendo que a mesma já aflorava “deteriorada”, uma vez que elas entravam em decomposição em seu trajeto subterrâneo[1], sendo imprópria para o consumo, o que quase levou a Empresa a mandar destruir essas fontes sulfurosas.
O Dr. Monat, através de suas observações pessoais e levando em conta estudos profundos desenvolvidos por especialistas europeus, principalmente, chegou à conclusão que havia um equívoco no entendimento desses laudos e, para tanto, louvou-se de uma opinião do Dr. Lefort que entendia que em muitas circunstâncias a presença do hidrogênio sulfuretado e de um sulfureto é um obstáculo à exploração das águas; assim não é raro encontrar perto das fontes bicarbonatadas (e as de Caxambu o são para as comissões de 1873 e 1892) sulfatadas e cloradas outras fontes expostas particularmente às infiltrações de águas estranhas, que jorram por filetes delgados e carregados de alguns princípio sulfuretados produzidos pela demora mais ou menos prolongada da água através de detritos orgânicos. Estas fontes, em que o elemento sulfuretado é acidental, são algumas vezes desprezadas, mas na maioria dos casos elas constituem um verdadeiro dom da natureza: tais são as águas minerais sulfuretadas propriamente ditas.   
            Assim, diante desse entendimento, não sobrou nenhuma outra observação ao Dr. Monat senão dizer que só no Brasil, confessemos francamente, se condenariam fontes como as de Caxambu, baseando-se em ideais preconcebidas gratuitamente, em contraposição ao que demonstra a observação clínica.

Conclusão
Não restam dúvidas de que o Dr. Henrique Monat foi o grande predecessor daqueles que escreveram sobre Caxambu, ou melhor, que efetivamente travou um conhecimento mais aprofundado sobre a cidade, sua gente, seus costumes e, principalmente, as propriedades curativas das águas minerais; essas anotações serviram como pilares para outros estudiosos que também deram a sua contribuição literária sobre esta belíssima cidade. Escrevendo com simplicidade, sem grandes rebuscamentos literários, forneceu-nos páginas memoráveis sobre o panorama da então Vila de Nossa Senhora dos Remédios e, testemunha ocular, da sua elevação à categoria de município no ano de 1901.
Independente de toda crítica, o Dr. Monat disse que as águas preciosas corrigirão todas as lacunas, todos os defeitos e os turistas serão compensados pelos benefícios que lhes proporcionarão o clima delicioso e as fontes maravilhosas e que esconde este brilhante ainda não lapidado, adiantando-se em duas décadas aquilo que Rui Barbosa vaticinara quando de sua estadia em 1919.
Em Caxambu, a municipalidade homenageou-o com o nome de importante via no bairro do Belvedere e, no Rio de Janeiro, o Dr. Monat é nome de um Posto de Saúde do bairro da Vila Kennedy, na zona oeste da cidade.
O Dr. Monat faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 3 de fevereiro de 1903.



[1] Essa foi uma observação de Fontan para as águas de Enghien, logo adiante refutada pelos estudos de Filhol, Leconte e Puysase. As águas de Enghien (Bélgica) assemelham-se às das fontes Duque de Saxe, D. Leopoldina e a extinta Intermitente.