120 anos de uma
grande obra: Caxambu
Parte IV
A classificação
de águas
O
Dr. Monat apresenta um estudo interessante sobre as águas, lembrando a antiga
fonte Intermitente, hoje não mais existente, e que na ocasião os turistas a
comparavam com os gêiseres europeus e anotou que o Dr. Viotti perfurou esse
poço em 1886, atingindo a uma profundidade de 35 metros: a água obtida, depois de completos os trabalhos, jorrava em
efervescência, com grande ruído, formando uma coluna de oito metros de altura
acima do solo, que se mantinha dez, quinze minutos; reproduzia-se a irrupção de
duas em duas horas; no fim de algum tempo começou a diminuir a altura; os
intervalos também foram se tornando mais curtos, até que chegaram a ser de meia
hora. Julgou-se aumentar a produção do poço perfurando a rocha mais dez metros;
não se obteve o resultado desejado, mas cessou a intermitência.
No
ano de 1873, uma comissão designada pelo governo imperial e capitaneada pelo
Dr. Agostinho José de Sousa Lima testou a termalidade das águas de Caxambu,
declarando que procedendo a repetidas
observações termométricas em dias diferentes, reconheceu a comissão que nenhuma
dessas águas merecia a reputação de termal, e que longe disso a sua temperatura
era sempre inferior de 1º, 2º, 3º e até 5º à do ar ambiente. Somente em uma
fonte ainda não beneficiada, situada em uma pequena mata próxima, o termômetro
marcou uma diferença de 3º a 4º apenas acima da temperatura ambiente, o que não
autoriza de modo algum a considera-la termal.
Com
relação a essas observações, o Dr. Monat contestaria as informações da
comissão, o que originou, adiante, uma grande discussão entre ele e o Dr. Sousa
Lima, objeto, inclusive, de uma refutação daquele em função das análises
realizadas pelo Dr. Monat.
Ainda
sobre a termalidade das águas de Caxambu, o Dr. Monat valeu-se, inclusive, de
um depoimento prestado pelo insigne visconde de Taunay que ali estivera em
1879: Achei-a quase tépida, talvez com
24º C. Aliás, noto elevação em todas as fontes. Porque será? Como, em geral,
quanto mais quentes as águas mineralizadas, tanto mais proveitosas, parece que
estas de Caxambu aumentaram de valor terapêutico. Parece, porém, plausível que
esse argumento de calor seja devido à boa captação, vindo agora diretamente e
com mais rapidez a água de camadas fundas, sem sofrer a ação dos terrenos
intermédios até a superfície, em que se derrama”.
Outras
importantes análises foram realizadas pela comissão designada pelo governo
republicano no ano de 1892, exatamente quando o Dr. Monat se encontrava em Caxambu
e desta vez capitaneadas pelo general Cesar Diogo. Assim, parece que ambas
chegaram a um acordo quanto às características fundamentais das águas: a
comissão de 1873 classificou as águas de Caxambu como alcalino-gasosas e
alcalino-férreo-gasosas, e, segundo o Dr. Sousa Lima, na esteira daquilo que
discriminara o Dr. Viotti. Já a comissão de 1892, de acordo com o Dr. Monat,
assim concluiu: Do confronto das
análises, cujos resultados aqui se acham consignados, resulta grande analogia
na composição química das águas minerais de Caxambu, devendo naturalmente ser
incluídas entre as águas alcalino-gasosas ou bicarbonatadas.
A
partir daí, o Dr. Monat estabeleceu em sua obra um interessante quadro
comparativo das ações técnicas tomadas por ambas as comissões, e por ele mesmo,
conforme se pode depreender foto a seguir, que está estampada em sua obra na
página 143:
Classificou
as águas em gasosas, as das fontes D. Pedro e Viotti, onde a presença do ácido
carbônico dava a verdadeira qualidade das águas, distinguindo-as das demais e
que podem ser comparadas às águas de Vichy (França) e de Vals (Suíça).
As
águas gasosas férreas, como a D. Isabel e a Conde D’Eu, onde se encontra uma
dosagem elevada desse ácido carbônico necessário à dissolução do ferro, o que
não acontece com grande frequência nas águas de Spa (Bélgica), Forges (França)
e Orezza (França), entre outras.
Finalmente,
as águas férreas ligeiramente sulfurosas, assim como a D. Leopoldina, a Duque
de Saxe e a desaparecida Intermitente. Aí reside a grande discussão travada
pelo Dr. Monat com o laudo das comissões de 1873, de 1892 e do parecer do Dr.
Sousa Lima em 1888. Segundo eles, essas águas poderiam ser classificadas como
sulfurosas secundárias, acidentais ou degeneradas, com ausência total da água
sulfurosa, entendendo que a mesma já aflorava “deteriorada”, uma vez que elas
entravam em decomposição em seu trajeto subterrâneo[1],
sendo imprópria para o consumo, o que quase levou a Empresa a mandar destruir
essas fontes sulfurosas.
O
Dr. Monat, através de suas observações pessoais e levando em conta estudos
profundos desenvolvidos por especialistas europeus, principalmente, chegou à conclusão
que havia um equívoco no entendimento desses laudos e, para tanto, louvou-se de
uma opinião do Dr. Lefort que entendia que em
muitas circunstâncias a presença do hidrogênio sulfuretado e de um sulfureto é
um obstáculo à exploração das águas; assim não é raro encontrar perto das
fontes bicarbonatadas (e as de Caxambu o são para as comissões de 1873 e 1892)
sulfatadas e cloradas outras fontes expostas particularmente às infiltrações de
águas estranhas, que jorram por filetes delgados e carregados de alguns
princípio sulfuretados produzidos pela demora mais ou menos prolongada da água
através de detritos orgânicos. Estas fontes, em que o elemento sulfuretado é
acidental, são algumas vezes desprezadas, mas na maioria dos casos elas
constituem um verdadeiro dom da natureza: tais são as águas minerais
sulfuretadas propriamente ditas.
Assim, diante desse entendimento,
não sobrou nenhuma outra observação ao Dr. Monat senão dizer que só no Brasil,
confessemos francamente, se condenariam fontes como as de Caxambu, baseando-se
em ideais preconcebidas gratuitamente, em contraposição ao que demonstra a
observação clínica.
Conclusão
Não
restam dúvidas de que o Dr. Henrique Monat foi o grande predecessor daqueles que escreveram
sobre Caxambu, ou melhor, que efetivamente travou um conhecimento mais
aprofundado sobre a cidade, sua gente, seus costumes e, principalmente, as
propriedades curativas das águas minerais; essas anotações serviram como
pilares para outros estudiosos que também deram a sua contribuição literária
sobre esta belíssima cidade. Escrevendo com simplicidade, sem grandes
rebuscamentos literários, forneceu-nos páginas memoráveis sobre o panorama da
então Vila de Nossa Senhora dos Remédios e, testemunha ocular, da sua elevação
à categoria de município no ano de 1901.
Independente
de toda crítica, o Dr. Monat disse que as águas preciosas corrigirão todas as
lacunas, todos os defeitos e os turistas serão compensados pelos benefícios que
lhes proporcionarão o clima delicioso e as fontes maravilhosas e que esconde
este brilhante ainda não lapidado, adiantando-se em duas décadas aquilo que Rui
Barbosa vaticinara quando de sua estadia em 1919.
Em
Caxambu, a municipalidade homenageou-o com o nome de importante via no bairro
do Belvedere e, no Rio de Janeiro, o Dr. Monat é nome de um Posto de Saúde do
bairro da Vila Kennedy, na zona oeste da cidade.
O Dr.
Monat faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 3 de fevereiro de 1903.
[1] Essa foi uma observação de
Fontan para as águas de Enghien, logo adiante refutada pelos estudos de Filhol,
Leconte e Puysase. As águas de Enghien (Bélgica) assemelham-se às das fontes
Duque de Saxe, D. Leopoldina e a extinta Intermitente.