Uma decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF4) restringiu a publicidade de bebidas com teor alcoólico igual ou
superior a 0,5 grau Gay Lussac (GL). Com isso, comerciais de cerveja e vinho,
por exemplo, só poderão ser veiculados em emissoras de rádio e televisão entre
as 21h e as 6h. A veiculação até as 23h só pode ser feita no intervalo de
programas não recomendados para menores de 18 anos.
Até então, a restrição valia para bebidas com teor alcoólico
superior a 13º GL, pois apenas essas foram tipificadas como alcoólicas pela Lei
Nº 9.294/96, que trata do uso e da propaganda de produtos fumígeros, bebidas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Com isso, comerciais de cervejas
e vinhos podiam ir ao ar a qualquer hora do dia, bem como durante jogos
esportivos.
Relator do processo, o desembargador federal Luís Alberto
d’Azevedo Aurvalle explica que, após a Lei 9.294, outras regras foram formuladas
sobre o tema. A Lei Seca (Lei 11.705/2008), por exemplo, passou a considerar
alcoólicas todas as bebidas que contenham álcool em sua composição com grau de
concentração igual ou superior a 0,5º GL. A mesma definição é usada na Política
Nacional sobre o Álcool (Decreto 6.117/2007) e pelo Decreto 6.871/2009, que
trata da produção e fiscalização de bebidas.
“O que simplesmente se fez nessa ação foi adaptar a lei
anterior à posterior”, explica Luís Alberto. Ele acrescenta que, assim como a
restrição de horário, as demais implicações da decisão já constam na lei de
1996. Entre elas estão a não associação do produto “ao esporte olímpico ou de
competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de
veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas”,
conforme estabelece a norma.
A decisão foi tomada após análise de três ações civis
públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF). Nelas, o MPF
argumenta que a regulamentação da publicidade tem o objetivo de garantir o
direito à saúde e à vida dos brasileiros, principalmente de crianças e
adolescentes. Baseado em diversos estudos citados na ação originária, que tem
quase 100 páginas, o órgão sustenta que há uma associação entre a
publicidade e o consumo de álcool, sobretudo o uso precoce.
"Verificou-se que existe verdadeira omissão por parte
do Estado ao não cumprir disposição constitucional que obriga a regulamentação
da publicidade de bebidas alcoólicas”, afirma o procurador Paulo Gilberto Cogo
Leivas, um dos autores da ação.
Ele explica que, com a lei de 1996, “o legislador restringiu
apenas a publicidade de altíssimo teor alcoólico, não abrangendo a maior parte
das bebidas que são divulgadas e consumidas”. Para Leivas, a restrição atenderá
ao objetivo constitucional de proteção prioritária às crianças e aos
adolescentes.
A decisão foi comemorada por entidades da sociedade civil. O
Instituto Alana considera que ela vai ao encontro do dever do Estado de
proteger a saúde da população e a infância, direitos que, para a entidade, não
devem ser relegados a segundo plano em relação aos objetivos do mercado.
“O objetivo da política pública, do Estado e da sociedade
brasileira é proteger a saúde da população, o direito dos consumidores e das
crianças. E a gente tem o alcoolismo e o consumo precoce de bebidas alcoólicas
de crianças e adolescentes como um dos principais problemas de saúde pública no
Brasil. Primeiro está a violência, depois o alcoolismo e a obesidade”, ressalta
Ekaterine Karageorgiadis, advogada do Alana.
A adaptação do teor alcoólico para regulamentar a
publicidade ao que está previsto em outras leis incomodou o segmento
empresarial. Segundo o diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de
Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Flores, ela pode ter “impacto gigantesco”
na indústria da comunicação.
Flores criticou a decisão, que considera caber ao
Legislativo e não ao Judiciário. “Quem acabou promovendo essa mudança na
legislação foi o Judiciário, o que fere a separação entre os poderes”, opina.
Para ele, “a questão não é se a cerveja é uma bebida alcoólica. A questão é
como se dá o tratamento legislativo do tema e qual o nível de restrição você
pode estabelecer”.
A Abert vai recorrer da decisão nos tribunais superiores.
“Acreditamos que a decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] é completamente
distinta”, diz Flores.
A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (Cervbrasil)
disse, em nota, que “prefere se manifestar somente quando a decisão for
oficialmente publicada pela Justiça Federal”, sobretudo por evitar falar sobre
processos ainda em andamento. O acórdão deve ser publicado nos próximos dias,
segundo o tribunal.
A "Agência Brasil" procurou o Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (Conar), mas a assessoria informou que ele não
se posiciona sobre determinações judiciais. A Associação Brasileira de Agências
de Publicidade (Abap) também foi procurada, mas os diretores da entidade não
estavam disponíveis.
A decisão vale para todo o país e dá prazo de 180 dias para
a alteração de contratos comerciais de publicidade de bebidas alcoólicas, sob
pena de multa diária R$ 50 mil, em caso de descumprimento.
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Fonte: Agência Brasil