“Mais vale morrer com honra que viver com desonra”
Há semanas, destaquei o
papel da mulher lutadora, denodada, na figura de Maria Carolina de Jesus. Hoje
relembro o nome de uma outra mulher que dignificou as nossas Minas Gerais:
trata-se de Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, nascida na cidade de Prados no ano de 1748. Filha de
portugueses, foi batizada com o nome de Theodozia, tendo sido trocado,
posteriormente, para Hipólita. Casou-se com coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes;
o casal não teve filhos, mas adotou um menino
que fora abandonado na porta de sua fazenda, que seria, futuramente, o barão da
Ponta do Morro. Hipólita criou, ainda, outra criança também deixada em sua
porta, e que mais tarde seria vigário e deputado à Assembleia Provincial entre
os anos de 1866 e 1867. Seu marido era membro ativo do grupo dos
inconfidentes, amigo particular de Tiradentes, a quem conhecera no Regimento
dos Dragões de Minas, em Vila Rica, e Hipólita tinha pleno conhecimento e
apoiava o movimento.
Seu pai, Pedro Teixeira de Carvalho, era um rico
minerador e capitão-mor da Vila de São José Del Rei (atual Tiradentes). Ao
falecer deixou toda a sua fortuna para a filha, inclusive a Fazenda da Ponta do
Morro e ali morou com Francisco depois de casada. A fazenda tornou-se
praticamente um quartel general dos inconfidentes graças à sua localização
estratégica: ficava próxima à Estrada Real, facilitando a comunicação entre os
conjurados. Segundo o historiador Ronaldo Simões Coelho, “sua casa foi transformada
em ponto de encontro de outros descontentes; ali compareciam os heróis da
Inconfidência Mineira. Só não sabiam que, entre eles, um sobrinho por afinidade
de Francisco Antônio, chamado Joaquim Silvério dos Reis, viria a ser um
delator, um traidor, pois não lhe conheciam a falta de caráter”.
Hipólita foi uma mulher excepcional para o seu tempo: da
fazenda enviava bilhetes aos inconfidentes, principalmente ao Padre Carlos
Correia de Toledo e Melo, que residia em São José Del Rei, e ao seu marido. É de sua autoria uma carta que
denunciou Joaquim Silvério dos Reis como o
traidor da revolução. São de sua autoria diversos avisos secretos, dando conta de
que o Tiradentes fora
detido no Rio de Janeiro. Uma carta escrita ao marido, em maio de
1789, alertava que o líder Tiradentes e o traidor Joaquim Silvério dos Reis
encontravam-se presos no Rio de Janeiro por causa dos planos da revolução,
delatados pelo próprio Silvério dos Reis ao governo português. Segundo o
historiador André Figueiredo Rodrigues, “na carta, ela pediu para o marido agir
com cautela, mas sem se furtar ou esquecer de que ele fazia parte de um grupo
de revoltosos que lutavam por ideais de melhoria das condições de vida e
trabalho em Minas Gerais”.
Outros inconfidentes também foram alertados por
Hipólita para que procurassem proteção. Por meio de seu compadre Vitoriano
Veloso, que morava em um distrito próximo a Prados, ela enviou esta mensagem ao
padre Toledo: “Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro,
Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se
ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais
vale morrer com honra que viver com desonra”.
Veloso também levou, a mando da comadre, uma mensagem
ao tenente-coronel Francisco de Paula Andrade, em Vila Rica, para que iniciasse
o levante revolucionário imediatamente e organizasse uma reação em toda a
região das Minas Gerais, a partir da cidade do Serro.
Outro
episódio importante que demonstra o envolvimento de Hipólita foi o fato de
proibir o marido de entregar ao então governador de Minas, o Visconde de
Barbacena, uma carta-denúncia delatando o movimento. A carta, que seria
entregue pessoalmente por Francisco Antônio para tentar diminuir sua pena por
participar da Conjuração Mineira, foi queimada por Hipólita, que também deu fim
a outros documentos que pudessem denunciar os revolucionários.
Seu marido foi detido e sentenciado ao degredo
perpétuo em Moçambique, mas com o intuito de obter o perdão da Coroa,
mandou confeccionar um cacho de bananas,
em ouro
maciço, solicitando ao seu irmão que o oferecesse a D. Maria I de Portugal. A valiosa peça,
entretanto, jamais chegou ao destino, uma vez que teria sido interceptada pelo
então governador da Capitania de Minas Gerais, o visconde de Barbacena.
Hipólita deixou um testamento
transcrito nos Autos de Devassa (v. 9, pág. 429 a 436), e através dele se pode compreender
melhor sua extraordinária figura. Pela participação na Conjuração Mineira, teve
os bens sequestrados pela Coroa portuguesa, inclusive os recebidos de herança
paterna. Inconformada, escreveu ao
Secretário do Ultramar solicitando a restituição do patrimônio sequestrado em
Minas Gerais, alegando ser herança paterna. Após um longo processo judicial,
em 1808
Hipólita conseguiu reaver boa parte de seu patrimônio. Faleceu em 27 de abril
de 1828, tendo sido sepultada na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição em Prados.