POR AQUI PASSAVA UM HOMEM...
Presto, nesta coluna e, em
especial neste dia 21 de abril, uma homenagem à grande figura nacional que foi
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Não tenho pretensão, nem poderia,
dados os meus parcos conhecimentos sobre o tema, aventurar-me em escarafunchar
a vida desse grande brasileiro que vem, ao longo dos anos, admirando as
gerações que se sucedem pelo exemplo de patriotismo e desprendimento em prol da
causa de uma Nação independente que sonharam um dia, ele e seus contemporâneos,
na região das Minas Gerais.
Em uma das minhas crônicas
trouxe uma indagação de qual seria a origem do mais autêntico mineiro, ou seja
aquele que conserva até hoje as características que o fizeram distinguir-se dos
demais conterrâneos brasileiros. Pois bem, para hoje trago esta minha homenagem
ao nosso patriarca da independência, socorrendo-me de alguns versos da
inesquecível e primeira-dama da poesia brasileira, Cecília Meireles, e do seu
não-menos famoso “Romanceiro da Inconfidência”.
Em minha busca sobre a
razão do jeito mineiro de ser, questionando a um e a outro, diversas foram as
definições, respostas e até mesmo perplexidades por essa minha preocupação,
haja vista que mineiro, conforme me disseram uns e outros, é o mesmo em qualquer
um dos 582.586 km2 do território das Minas Gerais.
A realidade não é bem essa,
meus caros leitores. Aliás, muitos dos indagados desconheciam, inclusive, a
origem da palavra “minas gerais”. Então, como poderiam bem retratar aquele
condomínio onde o mineiro revela toda a sua mineiridade?
As
Minas Gerais, historicamente, surgiram em oposição às minas particulares, da
região dos rios das Velhas, das Mortes e dos Caetés, nas mãos dos paulistas
desde as suas incursões bandeirantes em busca de índios, ouro, prata e pedras
preciosas. As diversas refregas havidas na região, entre uns e outros
mineradores, deram ensejo ao surgimento da Capitania de São Paulo e Minas do
Ouro, aí por volta de 1709, na região que hoje conhecemos como Tiradentes - a
antiga São José del Rey -, criando-se, então, uma alternativa geográfica para
esse povo secular.
Poucos
anos depois – 1720 – a separação da Capitania de São Paulo das Minas Gerais
seria uma realidade atestada de forma dolorosa pelo martírio de Felipe dos
Santos. Mas isto é uma outra história...Voltemos ao nosso tema.
Por aqui passava um homem
-
E como o povo se ria!
Que
reformava este mundo
De
cima da montaria
Tinha
um machinho rosilho
Tinha
um machinho castanho
Dizia:
não se conhece
País
tamanho!
Do
Caeté a Vila Rica
Tudo
ouro e cobre!
O
que é nosso, vão levando...
E
o povo aqui sempre pobre.
Retornando
há pouco tempo àquela região – onde o ouro jorrou aos borbotões fazendo a
riqueza de poucos e a desgraça de muitos – novamente veio-me à mente a indagação
original, qual seja: a razão de ser do mineiro.
Subindo
pela Rodovia dos Inconfidentes, no alto da Serra da Santa, qual não foi a minha
surpresa ao ver-me encantado com o que se descortinava diante de meus olhos,
perambulando a visão nas mais longínquas distâncias, estendendo-se ao longo de
montanhas, montes e vales deslumbrantes, daquelas paisagens que fazem o
espectador ficar extasiado.
Passou um louco, montado.
Passou
um louco a falar
Que
isto era uma grande terra
E
que a ia libertar
Mostrando os montes, dizia
Que
isto é terra sem igual,
Que
debaixo destes pastos
É
tudo rico metal...
Arrisquei,
no momento, um palpite para mim mesmo, tentando em vão escabulhar aquilo que
meus olhos teimavam em refletir para dentro de mim. E qual não foi meu espanto
ao identificar, ali, naquele momento, à visão quase que paradisíaca de verdes e
tinturas dos mais diversos matizes, a resposta à minha, digamos, curiosa
indagação primitiva.
Lá se foi por esses montes
O
homem de olhos espantados,
A
derramar esperanças
Por
todos os lados.
Por
aqui passava um homem
-
E como o povo se ria!
Ele
na frente, falava,
E,
atrás, a sorte corria.
Façamos,
caros leitores, uma digressão. Transportemo-nos para ali há alguns séculos
atrás, e o que vemos? A mesma paisagem, as mesmas montanhas, o mesmo ar
comprometedor, constante e mágico, como se sussurrasse aos nossos ouvidos que
ali estava plantada a gênese da nacionalidade brasileira, a essência do povo
que se transformaria a seguir em uma nação; o comprometimento pessoal e a
entrega à imolação de seu corpo e de sua alma em prol da cidadania, da honradez
eterna.
Por aqui passava um homem
E
como o povo se ria!
Que
não passava de alferes
De
cavalaria!
Quando
eu voltar – afirmava
Outro
haverá que comande.
Tudo
isto vai levar volta,
E
eu serei grande.
Faremos
a mesma coisa
Que
fez a América Inglesa!
E
bradava: há de ser nossa
Tanta
riqueza!
Por
aqui passava um homem
-
E como o povo se ria!
Liberdade
ainda que tarde
Nos
prometia.
Com
os versos da divina dama da poesia nacional na mente, tinha a impressão de
chegar aonde queria: mostrar o comprometimento com a imagem imaculada do
doar-se em vida em razão da existência, ou melhor, da sobrevivência da nação,
de colocar-se acima – tal qual o desenho de suas montanhas, cúmplices em todos
os momentos da vida que por ali transborda em luzes cada vez mais fúlgidas – do
bem e do mal, de dar ao viajor um pouso seguro e demonstrar sua hospitalidade,
o seu prazer em tê-lo naquele momento, compartilhando a sua maneira de ser, o
seu jeito mineiro de ser.
Lá se foi
por esses montes,
O
homem de olhos espantados,
A
derramar esperanças
Por
todos os lados.
Por
aqui passava um homem...
E
como o povo se ria!
No
entanto, à sua passagem,
Tudo
era alegria.
Mas
ninguém mais se está rindo,
Pois
talvez ainda aconteça
Que
ele por aqui não volte.
Ou
que volte sem cabeça...
Pobre
daquele que sonha
Fazer
bem – grade ousadia –
Quando
não passa de Alferes
De
cavalaria!
Por
aqui passava um homem...
E
o povo todo se ria.
Fiquemos com a imagem viva
do mártir de nossa independência e que ela seja sempre um norte para esse nosso
povo sofrido, mas sempre esperançoso de melhores dias. Acreditemos que o
sacrifício dado em prol da grandeza da Pátria não tenha sido em vão.