terça-feira, 21 de abril de 2015

COLUNA


POR AQUI PASSAVA UM HOMEM...
                                                                 
Presto, nesta coluna e, em especial neste dia 21 de abril, uma homenagem à grande figura nacional que foi Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Não tenho pretensão, nem poderia, dados os meus parcos conhecimentos sobre o tema, aventurar-me em escarafunchar a vida desse grande brasileiro que vem, ao longo dos anos, admirando as gerações que se sucedem pelo exemplo de patriotismo e desprendimento em prol da causa de uma Nação independente que sonharam um dia, ele e seus contemporâneos, na região das Minas Gerais.
Em uma das minhas crônicas trouxe uma indagação de qual seria a origem do mais autêntico mineiro, ou seja aquele que conserva até hoje as características que o fizeram distinguir-se dos demais conterrâneos brasileiros. Pois bem, para hoje trago esta minha homenagem ao nosso patriarca da independência, socorrendo-me de alguns versos da inesquecível e primeira-dama da poesia brasileira, Cecília Meireles, e do seu não-menos famoso “Romanceiro da Inconfidência”.
Em minha busca sobre a razão do jeito mineiro de ser, questionando a um e a outro, diversas foram as definições, respostas e até mesmo perplexidades por essa minha preocupação, haja vista que mineiro, conforme me disseram uns e outros, é o mesmo em qualquer um dos 582.586 km2 do território das Minas Gerais.
A realidade não é bem essa, meus caros leitores. Aliás, muitos dos indagados desconheciam, inclusive, a origem da palavra “minas gerais”. Então, como poderiam bem retratar aquele condomínio onde o mineiro revela toda a sua mineiridade?
As Minas Gerais, historicamente, surgiram em oposição às minas particulares, da região dos rios das Velhas, das Mortes e dos Caetés, nas mãos dos paulistas desde as suas incursões bandeirantes em busca de índios, ouro, prata e pedras preciosas. As diversas refregas havidas na região, entre uns e outros mineradores, deram ensejo ao surgimento da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, aí por volta de 1709, na região que hoje conhecemos como Tiradentes - a antiga São José del Rey -, criando-se, então, uma alternativa geográfica para esse povo secular.
Poucos anos depois – 1720 – a separação da Capitania de São Paulo das Minas Gerais seria uma realidade atestada de forma dolorosa pelo martírio de Felipe dos Santos. Mas isto é uma outra história...Voltemos ao nosso tema.



                   Por aqui passava um homem
                   - E como o povo se ria!
                   Que reformava este mundo
                   De cima da montaria

                   Tinha um machinho rosilho
                   Tinha um machinho castanho
                   Dizia: não se conhece
                   País tamanho!

                   Do Caeté a Vila Rica
                   Tudo ouro e cobre!
                   O que é nosso, vão levando...
                   E o povo aqui sempre pobre.

Retornando há pouco tempo àquela região – onde o ouro jorrou aos borbotões fazendo a riqueza de poucos e a desgraça de muitos – novamente veio-me à mente a indagação original, qual seja: a razão de ser do mineiro.
Subindo pela Rodovia dos Inconfidentes, no alto da Serra da Santa, qual não foi a minha surpresa ao ver-me encantado com o que se descortinava diante de meus olhos, perambulando a visão nas mais longínquas distâncias, estendendo-se ao longo de montanhas, montes e vales deslumbrantes, daquelas paisagens que fazem o espectador ficar extasiado.
        
         Passou um louco, montado.
                   Passou um louco a falar
                   Que isto era uma grande terra
                   E que a ia libertar

                  Mostrando os montes, dizia
                   Que isto é terra sem igual,
                   Que debaixo destes pastos
                   É tudo rico metal...

Arrisquei, no momento, um palpite para mim mesmo, tentando em vão escabulhar aquilo que meus olhos teimavam em refletir para dentro de mim. E qual não foi meu espanto ao identificar, ali, naquele momento, à visão quase que paradisíaca de verdes e tinturas dos mais diversos matizes, a resposta à minha, digamos, curiosa indagação primitiva.
        
         Lá se foi por esses montes
                   O homem de olhos espantados,
                   A derramar esperanças
                   Por todos os lados.

                   Por aqui passava um homem
                   - E como o povo se ria!
                   Ele na frente, falava,
                   E, atrás, a sorte corria.
                  
Façamos, caros leitores, uma digressão. Transportemo-nos para ali há alguns séculos atrás, e o que vemos? A mesma paisagem, as mesmas montanhas, o mesmo ar comprometedor, constante e mágico, como se sussurrasse aos nossos ouvidos que ali estava plantada a gênese da nacionalidade brasileira, a essência do povo que se transformaria a seguir em uma nação; o comprometimento pessoal e a entrega à imolação de seu corpo e de sua alma em prol da cidadania, da honradez eterna.

                   Por aqui passava um homem
                   E como o povo se ria!
                   Que não passava de alferes
                   De cavalaria!

                   Quando eu voltar – afirmava
                   Outro haverá que comande.
                   Tudo isto vai levar volta,
                   E eu serei grande.
        
                   Faremos a mesma coisa
                   Que fez a América Inglesa!
                   E bradava: há de ser nossa
                   Tanta riqueza!

                   Por aqui passava um homem
                   - E como o povo se ria!
                   Liberdade ainda que tarde
                   Nos prometia.

Com os versos da divina dama da poesia nacional na mente, tinha a impressão de chegar aonde queria: mostrar o comprometimento com a imagem imaculada do doar-se em vida em razão da existência, ou melhor, da sobrevivência da nação, de colocar-se acima – tal qual o desenho de suas montanhas, cúmplices em todos os momentos da vida que por ali transborda em luzes cada vez mais fúlgidas – do bem e do mal, de dar ao viajor um pouso seguro e demonstrar sua hospitalidade, o seu prazer em tê-lo naquele momento, compartilhando a sua maneira de ser, o seu jeito mineiro de ser.

                   Lá se foi por esses montes,
                   O homem de olhos espantados,
                   A derramar esperanças
                   Por todos os lados.

                   Por aqui passava um homem...
                   E como o povo se ria!
                   No entanto, à sua passagem,
                   Tudo era alegria.

                   Mas ninguém mais se está rindo,
                   Pois talvez ainda aconteça
                   Que ele por aqui não volte.
                   Ou que volte sem cabeça...

                   Pobre daquele que sonha
                   Fazer bem – grade ousadia –
                   Quando não passa de Alferes
                   De cavalaria!

                   Por aqui passava um homem...
                   E o povo todo se ria.


Fiquemos com a imagem viva do mártir de nossa independência e que ela seja sempre um norte para esse nosso povo sofrido, mas sempre esperançoso de melhores dias. Acreditemos que o sacrifício dado em prol da grandeza da Pátria não tenha sido em vão.