A
democracia está órfã
Faleceu no dia 13 de abril o
escritor e historiador Eduardo Germán Hughes Galeano, nascido no Uruguai em 3
de setembro de 1940, autor de mais de 40 obras, a maior parte delas versando
sobre a América Latina, não fosse sua mais importante criação o livro “As veias
abertas da América Latina”, editado em 1971, onde analisa a história do
continente desde a invasão espanhola até o período contemporâneo, em que a
exploração continua, segundo ele, por meio da dominação econômica dos Estados
Unidos. A obra, que se tornou um clássico da literatura da esquerda
latino-americana, foi fundamental para a afirmação de uma identidade
continental dos povos da região. A partir desse escrito Galeano sofreu a
repressão da ditadura uruguaia e foi exilado na Argentina, onde teve seu nome
colocado na lista negra com o golpe militar liderado pelo general Jorge Vilela.
O
escritor, que ousou mexer nas cicatrizes de um continente marcado por
exploração e resistência, trouxe à tona as mazelas das veias que nunca se
fecharam na América Latina. A obra de Galeano ensinou a diversas gerações de
latino-americanos sobre a liberdade, a democracia, a humanidade e a importância
do abraço (este último no seu “Livro dos Abraços”, considerado o mais ousado de
sua carreira).
No
período em que dominaram as ditaduras militares no continente sul-americano,
Galeano viveu na Espanha e ali iniciou sua trilogia “Memória do Fogo” (“Os
nascimentos”, 1982; “As caras e as máscaras”, 1984 e “O século do vento”,
1986), só retornando ao Uruguai em 1985, depois da redemocratização do país,
quando Julio Maria Sanguinetti assumiu a presidência através de eleições livres
e diretas. Ali juntou-se com Mario Benedetti, Hugo Alfaro e outros escritores e
jornalistas para fundar o semanário “Brecha”. Posteriormente, criou sua própria
editora, a El Chanchito. Também integrou a Comissão Nacional Pró-Referendo
(entre 1987 e 1989), constituída para derrubar a Lei de Anistia, promulgada em
dezembro de 1986, para impedir o julgamento de crimes cometidos durante da
ditadura militar no Uruguai entre os anos de 1973 e 1985.
No
“Livro dos Abraços”, Galeano valorizou “a sutileza da palavra para apresentar
sua visão sobre emoções, política, arte e outros temas inerentes à vida do
cidadão comum. Uma crítica mordaz à sociedade capitalista moderna, a obra
questiona a distorção de valores”, segundo a jornalista Marianna Serafini. Aderiu
ao pedido de proclamação da independência de Porto Rico, juntamente com outros
intelectuais de esquerda, e escrevia periodicamente para jornais de oposição ao
governo dos Estados Unidos.
Galeano
iniciou no jornalismo no limiar dos anos 1960, como editor do semanário
“Marcha” e do diário “Época”. Depois do golpe de estado no Uruguai, no dia 27
de junho de 1973, ocasião em que foi preso, sendo, contudo, logo libertado,
tomou a decisão de se exilar na Argentina. Em Buenos Aires, foi diretor da
revista cultural e política “Crisis”: “aquele foi um grande exercício de fé na
palavra humana, solidária e criadora ... por acreditar na palavra, nessa palavra
‘Crisis’ escolheu o silêncio. Quando a ditadura militar a proibiu de dizer o
que ela tinha que dizer, se negou a seguir falando”, disse anos depois sobre o
fechamento da publicação, que aconteceu em agosto de 1976.
A
obra de Eduardo Galeano recebeu prêmios em diversas partes do mundo, como a
“Casa de Las Américas”, em 1975 e 1978; o Prêmio do Ministério da Cultura do
Uruguai em 1982, 1984 e 1986. O American
Book Award, da Washington University, em 1989; o Prêmio Stig Dagerman de 2010 e o Prêmio Alba
das Letras em 2013.
Quando
recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Havana, em 2001,
disse: “Eu amei esta ilha da única maneira que é, digna de fé, com suas luzes e
sombras”.
Foi
o primeiro a receber o título de “Cidadão Ilustre do Mercosul”, homenagem que
lhe foi concedida em razão da contribuição de sua obra à cultura, à
consolidação da identidade latino-americana e à integração regional.
Não
só a História, mas principalmente a humanidade, fica órfã de um dos grandes
incentivadores da democracia e da liberdade.