terça-feira, 28 de abril de 2015

COLUNA


A democracia está órfã

Faleceu no dia 13 de abril o escritor e historiador Eduardo Germán Hughes Galeano, nascido no Uruguai em 3 de setembro de 1940, autor de mais de 40 obras, a maior parte delas versando sobre a América Latina, não fosse sua mais importante criação o livro “As veias abertas da América Latina”, editado em 1971, onde analisa a história do continente desde a invasão espanhola até o período contemporâneo, em que a exploração continua, segundo ele, por meio da dominação econômica dos Estados Unidos. A obra, que se tornou um clássico da literatura da esquerda latino-americana, foi fundamental para a afirmação de uma identidade continental dos povos da região. A partir desse escrito Galeano sofreu a repressão da ditadura uruguaia e foi exilado na Argentina, onde teve seu nome colocado na lista negra com o golpe militar liderado pelo general Jorge Vilela.
O escritor, que ousou mexer nas cicatrizes de um continente marcado por exploração e resistência, trouxe à tona as mazelas das veias que nunca se fecharam na América Latina. A obra de Galeano ensinou a diversas gerações de latino-americanos sobre a liberdade, a democracia, a humanidade e a importância do abraço (este último no seu “Livro dos Abraços”, considerado o mais ousado de sua carreira).
No período em que dominaram as ditaduras militares no continente sul-americano, Galeano viveu na Espanha e ali iniciou sua trilogia “Memória do Fogo” (“Os nascimentos”, 1982; “As caras e as máscaras”, 1984 e “O século do vento”, 1986), só retornando ao Uruguai em 1985, depois da redemocratização do país, quando Julio Maria Sanguinetti assumiu a presidência através de eleições livres e diretas. Ali juntou-se com Mario Benedetti, Hugo Alfaro e outros escritores e jornalistas para fundar o semanário “Brecha”. Posteriormente, criou sua própria editora, a El Chanchito. Também integrou a Comissão Nacional Pró-Referendo (entre 1987 e 1989), constituída para derrubar a Lei de Anistia, promulgada em dezembro de 1986, para impedir o julgamento de crimes cometidos durante da ditadura militar no Uruguai entre os anos de 1973 e 1985.
No “Livro dos Abraços”, Galeano valorizou “a sutileza da palavra para apresentar sua visão sobre emoções, política, arte e outros temas inerentes à vida do cidadão comum. Uma crítica mordaz à sociedade capitalista moderna, a obra questiona a distorção de valores”, segundo a jornalista Marianna Serafini. Aderiu ao pedido de proclamação da independência de Porto Rico, juntamente com outros intelectuais de esquerda, e escrevia periodicamente para jornais de oposição ao governo dos Estados Unidos.
Galeano iniciou no jornalismo no limiar dos anos 1960, como editor do semanário “Marcha” e do diário “Época”. Depois do golpe de estado no Uruguai, no dia 27 de junho de 1973, ocasião em que foi preso, sendo, contudo, logo libertado, tomou a decisão de se exilar na Argentina. Em Buenos Aires, foi diretor da revista cultural e política “Crisis”: “aquele foi um grande exercício de fé na palavra humana, solidária e criadora ... por acreditar na palavra, nessa palavra ‘Crisis’ escolheu o silêncio. Quando a ditadura militar a proibiu de dizer o que ela tinha que dizer, se negou a seguir falando”, disse anos depois sobre o fechamento da publicação, que aconteceu em agosto de 1976.
A obra de Eduardo Galeano recebeu prêmios em diversas partes do mundo, como a “Casa de Las Américas”, em 1975 e 1978; o Prêmio do Ministério da Cultura do Uruguai em 1982, 1984 e 1986. O American Book Award, da Washington University, em 1989; o Prêmio Stig Dagerman de 2010 e o Prêmio Alba das Letras em 2013.
Quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Havana, em 2001, disse: “Eu amei esta ilha da única maneira que é, digna de fé, com suas luzes e sombras”.
Foi o primeiro a receber o título de “Cidadão Ilustre do Mercosul”, homenagem que lhe foi concedida em razão da contribuição de sua obra à cultura, à consolidação da identidade latino-americana e à integração regional.
Não só a História, mas principalmente a humanidade, fica órfã de um dos grandes incentivadores da democracia e da liberdade.