quinta-feira, 15 de abril de 2010

COLUNA




Gregório de Matos, a sátira poética

Já lá se vão mais de 300 anos do desaparecimento de um dos mais renomados poetas brasileiros, o baiano Gregório de Matos Guerra, que, por sua agu¬deza vernacular, era conhecido como “O Boca de Brasa”.
Gregório foi um eclético no escrever, dedicando-se a diversas formas de literatura poética, trilhando pelo lirismo até a sua mais aclamada for¬ma de escrever: a sátira. Foi, aliás, como satírico que ganhou espaço em nossa história literária e muitos críticos entendem mesmo de ter sido Gregório de Matos um verdadeiro espelho para os cantadores do Nordeste brasileiro, principalmente naquilo que tem de mais espetacular para a literatura popular: o repente.
Estudou em Portugal tendo-se graduado em direito pela Universidade de Coimbra e exercido cargos de relevo, como juiz municipal e de órfãos em Lisboa, aliás, coisa rara, considerando-se que à época os brasileiros não tinham quase nenhuma ou nenhuma projeção profissional na Europa. Por seu caráter literário satírico, foi contundentemente contestado pela sociedade lisboeta, regressando ao Brasil, onde, também dadas as mesmas pressões, foi degredado para Angola por iniciativa do governador baiano, a fim de livrá-lo de maiores dissabo¬res com as autoridades portuguesas no Brasil. Ao retornar, passou a viver na cidade do Recife, onde a morte o encontraria em 1696.
Gregório de Matos representou para a literatura brasileira um expoente raras vezes atingido não só por escritores pátrios como também pelos grandes nomes de literatura internacional. Barroco, espelho de sua época, traduz em seus escritos uma alma de contestação ao espírito de arbitrariedade, não só em função da própria colonização portuguesa, como também pelo papel que representavam os senhores-de-engenho no Brasil, mestiçados de português e que arvoraram em pertencer à antiga nobreza lusitana, como mesmo dizia. Essa persistência pelo embate com os grandes desmandos da política é que justamente o tornaria uma persona non grata em diversas oportunidades e em diversos lugares:
“A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar a sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.”

Poeta muito rico em expressões, Gregório de Matos foi romântico, foi religioso, foi, sobretudo, cômico:
“Todo unguento é mezinha;
Não tem osso o bacalhau;
Papas ralas são mingau;
Trigo moído é farinha;
Coisa alheia não é minha:
Não há escadas sem degraus;
Os pícaros são maraus;
Tem aduelas a pipa;
Embigo é ponta de tripa;
É pintado o rei de paus.”

Em sua poesia o achincalhe e a denúncia movem-se em jogos sonoros, ritmados, incisivamente colocados contra tudo e contra todos. Dentro de nossa história literária poucos o seguem de perto, talvez um Lima Barreto, talvez um Augusto dos Anjos.
Hoje, Gregório de Matos teria um campo fértil para destilar as suas mordazes críticas, tão vasta a produção de desmandos governamentais que daria quilômetros de elaboração literária a quem sempre soube espicaçar, com inteligência, a burrice crônica aliada à corrupção política e econômica que parece assolar este nosso pais desde eras remotas e que não tem solução eficaz.