sábado, 29 de janeiro de 2011

COLUNA

Nunca fui fã das promessas miraculosas de fim de ano. De repente, a possibilidade de outros 365 dias nos torna, no mínimo, esperançosos novamente. Com a esperança de que o próximo ano seja, sobretudo, diferente. Acho tudo isso um pouco chato. Mais ou menos como na música do Bíquini Cavadão:


“É sempre assim, é tudo igual

Promessas de fim de ano

Arranjar um emprego, me apaixonar

Entrar na academia e começar a malhar

Vou parar de fumar, parar de beber

Juntar dinheiro e emagrecer”

Mas eu entendo que essa coisa de promessa de fim de ano tem força mais pelo simbolismo da coisa, do recomeço, da nova tentativa. Por isso, pra 2011, fiz a minha promessa também: parar de fumar. Na verdade parar de fumar é super fácil: eu mesma já parei umas 10 vezes. O difícil é continuar sem fumar. Isso sim, dá um trabalho...Precoce, muito precoce, fumei meu primeiro cigarro com 5 anos, assistindo Cinderela. Quando meu pai tomou o cigarro da minha mão e me deixou de castigo, não entendi nada. Uai, porque ele podia fumar e eu não? Fumar parecia uma coisa maravilhosa: nas festas em casa, todo mundo fumava, sempre às gargalhadas, em meio a causos matutos das cidadezinhas do interior. Mas o tabagismo, vi desde cedo, pertencia ao mundo dos adultos. Aí, aprendi mais uma coisa: ser adulto era bem melhor que ser criança (ô Senhor, perdoa, ela não sabe o que diz...gente, eu tinha 5 anos, tá? Lembrem-se disso =P). Porque os adultos podiam beber, rir alto, apontar com o dedo e fumar. Dar grandes tragadas e soltar o ar fazendo bolinhas de fumaça. O tempo passou e com 10 anos minha mãe achava cigarros na minha caixinha de música. Cigarros roubados do maço de Hollywood vermelho do meu pai. Diante dessa situação, a primeira grande mudança “tabagística”: minha mãe, que também fumava, resolveu parar, quando viu que a caçula desenvolvia o maldito vício. Muito burramente, eu continuei, mesmo com o primeiro aviso. Sete anos depois, nova mudança “tabagística”: aos 47 anos de idade, meu pai morreu. De câncer no pulmão. Aos 47...


E eu...ainda fumava. Cada cigarro aceso, punhalada em mamãe. Espécie de tortura chinesa: lenta...e sangrenta...Ela já havia perdido o pai dos filhos. Não queria perder a filha também. Assim, a já campanha anti-tabagista tomou contornos de batalha homérica. As lanças vinham de todos os lados: mãe, irmã, irmão, gato, vizinho...acho que até o Sô Zé da esquina aderiu ao “Para de fumar, Paola!”...eles deveriam era começar outra campanha. Campanha pela vida: cada um cuida da sua! Enfim. Dentro desse cenário, achei por melhor aproveitar a metáfora do ano-velho-ano-novo e parar com a causa mortis paterna. E todos foram felizes para sempre...Ou não.


Caso da professora de violão quarentona Baby, que mora no apartamento herdado de sua mãe, vive em pé de guerra com suas irmãs e tem um único companheiro em sua vida: o cigarro, que ela fuma incansavelmente. Até o dia em que Max, músico de churrascarias, se muda para o apartamento ao lado. Efeito Silvio Santos: as portas da esperança se abrem para Baby. Surge algo concreto em sua vida. A possibilidade de um relacionamento com alguém real. De carne e osso. Com um detalhe pequenininho...Max odeia cigarro. E, para continuar com seu grande amor, Baby para de fumar. Deixa de lado aquele que durante anos foi seu único companheiro. Sem pedir nada em troca, dia após dia, era ele quem estava ao lado dela, confortando na dor, celebrando na alegria, acalmando na ansiedade. O cigarro. O maior problema no caso de Baby – e no meu também – é que paramos de fumar por outras pessoas e não por nós mesmas. Aí, quando tudo parece certo, é quando nada faz sentido.

Gloria Pires vive Baby, a professora de violão. Paulo Miklos vive Max, o músico de churrascaria. É Proibido Fumar é um longa nacional lançado no final de 2009, no auge da lei anti-fumo paulistana e dirigido por Anna Muylaert, Apesar de trazer o vício como pano de fundo, o filme fala dessa coisa toda de relacionamentos. Nossa relação com o sexo oposto, com o mesmo sexo, com o mesmo sangue, com grandes vícios, com a solidão, com a gente mesmo. É dar luz à discussão: até onde ir pela pessoa que a gente ama? Até onde deixar de fazer o que gostamos para satisfazer o outro? E, principalmente, até onde o outro corresponde às nossas expectativas e faz valer o nosso esforço? Bem dirigido, com diálogos bem construídos e com uma trilha sonora brasileiríssima composta de grandes nomes como Jorge Bem Jor, Caetano Veloso e Gilberto Gil, o filme, apesar de longa, é curtinho, menos de uma hora e meia de duração. E são 90 minutos que valem toda a atenção.



Fiquei dez dias inteiros sem fumar. Só bebo quando fumo e, ainda assim, não fumo muito quando bebo. Descobri que durmo melhor, caminho melhor, respiro melhor, como melhor, cheiro melhor. Estou mais disposta, mais saudável, com um cadim mais de dinheiro, já que não compro mais maços (era um por dia, no mínimo). Mas, não estou mais feliz. Quem nunca fumou pode achar um absurdo o que digo. Mas quem fuma, sabe. Não existe melhor sensação do que fumar um cigarrinho depois daquele dia cansativo em que tudo deu errado no trabalho. Ou aquele cigarrinho enquanto conversa, horas a fio, com quem a gente gosta e que está extremamente longe. Aquele cigarrinho calmante quando o jogo vai pros pênaltis. Sinto falta de alguns amigos. Sinto falta da bagunça da faculdade. Sinto falta dos republicanos. Sinto falto do meu pai. Mas, sobretudo, sinto falta da liberdade de poder fumar meu cigarro sem peso na consciência. Por incrível que pareça, sinto falta de fumar. É proibido fumar, mas deveria ser proibido proibir...