sábado, 5 de fevereiro de 2011

COLUNA

Uma semana especial precisa ser celebrada. De todas as maneiras possíveis. Saí de casa aos 18 anos recém-completados para ir estudar Jornalismo em Belo Horizonte. Meu pai havia morrido há seis meses e eu nunca tinha saído de São Lourenço. De repente, estava por minha conta na capital de Minas, com outras quase três milhões de pessoas. Ao fim de dois anos, achei melhor ficar mais perto da família e transferi meu curso pra Varginha, a cidade do ET, ali, pertinho de Três Corações, a terra do Pelé...Quando cheguei à nova faculdade, não existia quinto período – a turma a qual eu deveria fazer parte. Perdi um ano, voltei para o terceiro período. Quando, enfim, completamos os oito semestres e defendemos nossa monografia, o diploma de jornalismo já não era mais obrigatório (Obrigada, Gilmar Mendes!). E não pude formar junto com meus colegas. Havia ainda algumas matérias de adaptação - de uma faculdade para a outra - em aberto no meu currículo. Com isso, lá se vai mais um ano. Agora, essa semana, eis que, enfim, vou vestir uma beca invocada, com capelo e canudo. Depois de seis longos anos...


Uma semana especial precisa ser celebrada. Minha celebração começou segunda-feira, quando um presente de Deus, literalmente, caiu dos céus. E choveu. Como há muito não chovia pr’essas bandas. “Se a chuva é purificação, então deixa molhar”... Tomei a chuva toda, cantando, pulando, criançando, como nos velhos tempos, em que a diversão republicana eram as chuvas de verão, acompanhadas pelo Henrique. Foi renovador. Um único e pequeno detalhe: mais cedo naquele dia, coloquei minhas únicas duas toalhas de banho e meu roupão pra lavar. Quando voltei da chuva, minhas toalhas jaziam, lépidas e tremulantes, encharcadas no varal...Fazer o quê?! É pra isso que servem as toalhas de rosto...A semana seguiu-se nesse estilo, com muita música, alegria e água. Senão da chuva, das pequenas cachoeiras que encontramos por aqui. A celebração se encerra hoje, com o fim de um ciclo de seis anos. Dizer que muita coisa aconteceu nesse tempo é redundante. De todo o aprendizado, três certezas: independente do que aconteça em nossa vida, o mundo não para de girar; muitas pessoas passam por nossa vida, algumas ficam, outras vão-se embora, e essa é uma decisão que cabe somente a nós; ainda que estejamos rodeados por todas essas pessoas, podemos contar somente com uma: nós mesmos. O que precisamos não é de um lugar pra ir, mas sim, de ter pra onde voltar. Até porque, ao final de tudo, tudo é apenas o fim...

“Apenas o Fim” é um longa-metragem totalmente feito por estudantes de Cinema da PUC-RJ, em 2008. A história surgiu na cabeça do diretor do filme, Matheus Souza, quando ele tinha 19 anos e estava no quinto período do curso. Com o apoio do departamento de Comunicação Social da PUC, Matheus e seus amigos rifaram uma garrafa de uísque oito anos, gentilmente cedida por seu pai, para pagar os custos da pequena produção. O resultado: um filme de atitude, que mescla referências à cultura pop a cenários ora coloridos, ora preto e branco. Poesia. Pura e simplesmente. Em uma hora e vinte, pretende discutir...na verdade, não pretende discutir nada. Entretanto, quando o filme acaba, a gente fica com aquela sensação de angústia, mexe o pé um cadim pro lado, olha a teia de aranha no teto, toma um gole d’água. Porque ele é inquietante. Sóbrio, conexo, mas inquietante.
Atrasado pruma prova, Tom, vivido pelo então desconhecido aspirante a humorista de stand up comedy, Gregório Duvivier - http://www.youtube.com/watch?v=jFIs9V9sKPA   encontra com sua namorada (que googlei e descobri que no filme chama-se Adriana, mas em momento algum, o nome dela é dito) vivida pela sobrinha da Malu, Erika Mader. É um encontro casual, rotineiro, para Tom. Porque na verdade, é apoteótico para ela. “Vim me despedir. Estou indo embora.” Para onde? Por quê? Com quem? Quando? Ninguém sabe.

Somente uma estátua do campus da faculdade, locação quase única e cenário das gravações. Em uma das cenas, a menina “conta” seu segredo no pé do ouvido da estátua: “Pronto, agora alguém sabe pra onde vou!” É com pitadas desse humor inocente, infantil, que o filme segue. Antes de fugir, como ela mesma define sua viagem, o casal tem uma hora pra conversar, debater, discutir, despedir. Uma hora. Um ano resumido em uma hora. Em meio a essa hora, eles rememoram aquilo que foi um relacionamento normal, sadio, gostoso de se ver na tela. Ah! O amor juvenil! Como é bom quando amamos sem desprendimento, sem noção do amanhã, sem a perspectiva do depois. Somente hoje, agora, presente.

Com diálogos divertidos e inteligentes, o filme encanta pela simpatia e simplicidade. Os meninos levam a sério o conceito Glauber Rocha de Se Fazer Cinema – Ideia na cabeça, câmera na mão. E o filme que nasceu sem grandes pretensões, arrebatou prêmios importantes do cinema nacional, como Melhor Filme do Júri Popular e Menção Honrosa do Júri Oficial no Festival do Rio 2008 e o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na 32ª Mostra de São Paulo. Ainda foi exibido em Festivais de Cinema de todo o mundo, em países como França, Holanda, Eslovênia e Estados Unidos.

O filme segue dentro do seu ritmo. Não obriga o telespectador a se munir de repertório para entendê-lo. Aliás, clássico exemplo de filme catártico: para compreendê-lo basta ter passado por qualquer experiência de perda. Qualquer uma. Por isso, Apenas o Fim é um filme próximo, que dialoga usando nossos termos, dentro de uma realidade muito familiar. A convivência com o sentimento de perda. Ninguém gosta de perder. Mas perder não é questão de gostar. É questão de saber. Não só saber perder como também e, principalmente, saber procurar. Uma vez “que o que você quer, tem que saber aonde procurar.”

A sensação é de que no final de tudo, tudo é apenas o fim. Não temos que endeusar as perdas, os momentos, as fases, as pessoas, o fim. Tudo, em algum momento, acaba, termina, vai-se embora. É um processo natural. Cabe a nós, peneirar as lembranças boas, guardar os bons momentos, e seguir em frente. Sem enxergar o vazio que ficou como um pedaço que falta, foi arrancado e sangra, como carne mal passada (argh!), mas como um ponto intocado, guardado e aberto para coisas novas, que um dia, serão velhas e mais uma vez, irão embora. Aí, é tudo novo, de novo. “Porque a vida é pra viver e sempre existe a chance de um recomeço.”
Comecei minha faculdade com uma turma, em Belo Horizonte. Terminei com outra, em Varginha. Agora, formo com uma terceira. Sem pompa, sem glória, sem hino nem louvor. Somente eu, minha beca, meu capelo e meu canudo. Apenas o fim. Encerrando um ciclo agora, pra depois, iniciar um novo. Hoje aqui, amanhã não se sabe. O que eu ganho com isso? Opções. E uma possibilidade infinita de amanhãs.