O último fim de semana começou na sexta pela manhã quando, enquanto caminhava para ir trabalhar, eis que surgem, na minha frente, dois gaviões. Parados no meio do asfalto, como se não houvesse uma cidade inteira ao redor e somente eu como espectadora. Ah! Onde estão as câmeras quando precisamos delas? Como disse prum amigo, se meu olho tirasse foto, teria que dar boot no meu cérebro todo mês...o dia prosseguiu com notícias, no mínimo, promissoras. No início da noite, mais um espetáculo natural só para mim: a lua nascendo no horizonte, muito cheia e muito branca. Ainda nem havia recuperado o fôlego de tal vista e meu celular toca. A partir daí, nascia um fim de semana PERFEITO. O que eu não posso dizer da segunda-feira, em que a sorte parece ter me abandonado...e quando tudo parecia perdido, uma mensagem no celular. E Domitilia entra em minha vida. Domitilia, Tila, para os mais íntimos, é o cachorro que ganhei. Ainda não está comigo. Em mãos, porque a mente...já está dominada por ela, a minha Marquesa de Santos...ou melhor, de São Thomé, já que ela vem de lá.
Sempre soube que minha felicidade está nas coisas simples: lua, vista da serra, um latido pela manhã...talvez por isso, tenha ficado encantada com mais uma banda gaúcha. Apanhador Só. Um apanhador solitário. Ou, somente um apanhador. O fato é que o quarteto formado por Alexandre Kumpinski (voz e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra), Fernão Agra (baixo) e Martin Estevez (bateria) tem uma mistura, um quê, um algo mais...e coloca mais nisso! A semana que começou com uma segunda-feira muito brava, terminou com um rei me dizendo que quem deixa ir tem pra sempre...
“Um rei e o Zé” é a música de trabalho dos caras. Com ela, a banda lançou seu primeiro clipe e concorreu ao prêmio de “Aposta” no VMB. E este é só o primeiro trabalho deles. E essa foi a primeira música que escutei. O mesmo amigo tricordiano que me ensinou a ouvir reggae me apresentou a este rei, tão sábio, que encontra com um simples mortal, tão Zé. Nunca havia pensado em Zé como adjetivo. Entretanto, depois de ouvir a música, talvez Zé nunca mais volte para a prateleira dos substantivos e seja eternizado como descrição de sentimento, de modo de vida:
- “Como você tá?”
- “Ah...tô meio Zé...”
Ouve-se com a razão. Escuta-se com o coração. Meu pai sempre dizia que, mais que ouvir (com os ouvidos), devemos escutar (com o coração). Talvez por isso, meus amigos tricordianos sejam tão bons quando o assunto é música. Porque se escutar é com o coração, eles já saem na frente, já que saíram de Três Corações...De qualquer modo, Saulo, vou ter que discordar (mais uma palavra derivada de coração!). “Um rei e o Zé”, realmente, é maravilhosa. Além de dizer que quem deixa ir tem pra sempre, esse mesmo rei também diz que a pressa esconde o que já é evidente. Lindo, lindo! Mas essa é só a primeira música. Atrás dela, outras doze, tão líricas quanto. No fim, talvez, as música de Apanhador Só, sejam estilo Elam Chips: impossível escolher uma só! Para aqueles que gostam de uma pegada mais rock’n roll, com muitos rifs e uma bateria bem presente, “Balão de vira mundo”. Letra e melodia estão muito bem arranjadas, como amantes que há muito não se encontram. São versos e estrofes carregados, fortes, assim como toda grande paixão arrebatadora, em conjunto com o tradicional ritmo de los hermanos. Os vizinhos, não a banda. “Balão de vira mundo” é um rock-tango que te tira pra dançar. Sem a pieguice do tango e com toda a malandragem do rock. Que ainda conta com um leve sotaque gaúcho que, particularmente, me arrepia...adoro sotaques. Principalmente, os do sul.
O principal compositor é Alexandre Kumpinski, de 24 anos, também vocalista da banda. Kumpinski, como bom poeta e arranjador de versos que é, entrou no curso de letras da UFRGS para, digamos, especializar-se no mundo das letras. Sorte que, logo, ele se tocou de que para escrever é preciso mais que métrica, gramática e sintaxe. Na verdade, basta alma. E coração. Assim, mal entrou, deixou o curso de letras e rendeu-se à outra paixão: formou-se em cinema. Talvez por isso, algumas letras soem como histórias numa narrativa infantil, com gostinho de caçulinha e pastel na esquina. Coisas típicas da infância do interior. “Bem me leve” é uma baladinha romântica, nas letras e não na melodia, que segue num ritmo rock-pop-indie. Um amor juvenil, de cidade pequena, em que sempre compensa pedalar até a rua do outro pra mostrar-lhe o que ele perdeu:
“perfume atrás da orelha
vestido bem vestido
um sorriso no rosto
um punhado de amigos
que é pra,
se acaso eu te encontrar um dia,
tu ver como eu ainda tô bonita”
Muitas das letras trazem composições e realidades muito próximas, como “Origames Over”, que demonstram toda a falta de habilidade com as mãos. Um grande rauma de infância. Eu queria saber tocar violão ou sax. Gaita! Como sou apaixonada por gaita! Fazer malabares, talvez. Mas não. Quis Deus que minha habilidade com as mãos tivesse intimamente ligada à minha mente e assim, meu maior dom seja talvez, escrever. Contudo...origames? Over...
“Eu queria saber uma pá
De acordes
De cor
As cores
Das cordas
De um violão
Recortar e colar”
A menina dos meus olhos, entretanto, é Vila do Meio-dia. Numa levadinha estilo Los Hermanos (agora sim, a banda e não os vizinhos), um rock-marchinha que narra a descoberta da nossa rua, aquela em que crescemos, em que conhecemos todo mundo, e que, um dia, inevitavelmente, deixa de existir da maneira como a conhecíamos. As pessoas vão-se embora. O campinho não é mais o mesmo. As crianças não andam mais de rolimã. O céu perdeu o azul. É oficial: a infância acabou. Mas não há de ser nada. Porque não é o prédio que tá caindo. São as nuvens que tão passando...
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Sou grata a muitas coisas. Dentre elas, aos meus amigos tricordianos, que de uma maneira simples, sutil, e muito perspicaz, entraram na minha vida e a tem feito regada de luz, som e cor. Agora, mais uma banda que enriquece minha playlist, faz a minha cabeça e transforma meu tempo. Nunca foi tão bom ser só, tão, somente, apenas, Zé...até porque, um rei me disse que quem deixa ir, tem pra sempre...