terça-feira, 26 de março de 2013

COLUNA



O DISTRITO DIAMANTINO EM MINAS GERAIS


O distrito dos diamantes em Minas Gerais traz, a cada momento que se o visite, emoções as mais diversas nos viajantes, turistas e, principalmente, nos historiadores. Uma área que abrange cidades do quilate de Diamantina e Serro, agrega em seu entorno outras pequenas cidades e distritos que fizeram a riqueza de uns poucos e a desgraça de muitos. Ainda hoje é possível ver o hiato que se abriu entre classes sociais, entre senhores e escravos, numa sociedade pouco diversificada para a época.
No entanto, o historiador tem, por dever de profissão, discorrer e analisar aquilo que vê. E o que se verifica, em muitas das áreas visitadas, é que o poder público não destina o devido interesse a uma das mais significativas áreas de patrimônio, não só artístico, como cultural e científico que se deslumbra na região.
Dentre as minhas andanças por aquelas localidades, assinalei que, ainda que o descaso oficial seja grande, a população vem se empenhando em manter, ainda que com grande dificuldade, um patrimônio que é seu, que mostra a suas raízes e o seu cotidiano.
Em Milho Verde tive a oportunidade de travar conhecimento com algumas pessoas nascidas naquela localidade e que falaram da indiferença para com o seu patrimônio imaterial, no caso daquele distrito das diversas comidas típicas que ali podem ser encontradas.
Não foi diferente no subdistrito de Vau (foto) – que pouco conhecimento traz ao mais desavisado viajante, mas que tem uma história riquíssima e que foi retratada, com as devidas modificações de nomes e paisagens, em um dos mais inteligentes filmes produzidos no Brasil: “Narradores de Javé”, com direção de Eliane Caffé, tendo à frente do elenco um dos mais completos artistas nacionais, José Dumont que, sendo coadjuvado por um elenco de muitos desconhecidos atores – mas nem por isso incapazes de exercerem o seu mister – e figurantes que fizeram a grandeza do filme.
Durante a década de 1980, por falta de clientela, o correio de Vau seria fechado. Diante desse impasse e de um possível isolamento, Pedro Braga, um famoso contador de histórias, resolveu tomar algumas providências. Assim, escreveu diversas cartas para todos os que passaram por Vau, pois assim garantiria não só a existência da agência dos correios como também perpetuaria a memória do local. Este é um mote interessante que foi retratado por Eliane Caffé em seu “Narradores de Javé”, colocando José Dumont como o personagem Antônio Biá, um ex-carteiro, que recebeu a função de escrever “a história científica” de que Javé necessitava para não ser inundada por um represa. No filme, que mistura ingredientes de comédia, drama e, muito mais do que isso, a performance excelente dos participantes, Antônio Biá, fora expulso do convívio com a população por ter escrito cartas, em nome de outros, contando “fofocas” sobre os moradores, na tentativa de salvar o seu próprio emprego na agência de correios, que seria desativada por falta de movimento, criando, desta forma, uma necessidade de permanência da agência, uma vez que a quantidade de correspondência havia aumentado. Essa criatividade, e o trato com as letras, o habilitavam a escrever a história da cidade. Assim, vai ouvindo pessoas e várias histórias são contadas, gerando discussões sobre os heróis e antepassados de cada um e que fizeram a grandeza da localidade.
Poeta e contador de histórias, Pedro Braga, que faleceu em 2000, deixou um vasto legado literário e foi o inspirador na construção do personagem “Antônio Biá”. Pedro Braga mereceu uma dissertação de mestrado, de autoria do Prof. Josiley Francisco de Souza, que viu na obra de Pedro Braga um fator importante para a perenidade da história de Vau e marcar a significância da história oral para o conhecimento da verdade histórica. Vau ganha, com as histórias de Pedro Braga, uma conotação formidável de geradora de um patrimônio imaterial que ombreia com os mais importantes patrimônios imateriais de todas as Minas Gerais.
Localizado às margens do Rio Jequitinhonha, entre Diamantina e Serro, o subdistrito de Vau iniciou um certo desenvolvimento ainda no século XVIII, com a atividade de extração de ouro e diamante na região da Estrada Real, que levava as riquezas de Minas para o Rio de Janeiro. Seu nome, Vau, é uma referência ao ponto mais raso do rio, que servia de travessia para viajantes e tropeiros em suas andanças pelo distrito dos diamantes e que está demonstrado na foto ao lado.

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* Historiador