O DISTRITO DIAMANTINO EM MINAS GERAIS
O
distrito dos diamantes em
Minas Gerais traz, a cada momento que se o visite, emoções as
mais diversas nos viajantes, turistas e, principalmente, nos historiadores. Uma
área que abrange cidades do quilate de Diamantina e Serro, agrega em seu
entorno outras pequenas cidades e distritos que fizeram a riqueza de uns poucos
e a desgraça de muitos. Ainda hoje é possível ver o hiato que se abriu entre
classes sociais, entre senhores e escravos, numa sociedade pouco diversificada
para a época.
No
entanto, o historiador tem, por dever de profissão, discorrer e analisar aquilo
que vê. E o que se verifica, em muitas das áreas visitadas, é que o poder
público não destina o devido interesse a uma das mais significativas áreas de
patrimônio, não só artístico, como cultural e científico que se deslumbra na
região.
Dentre
as minhas andanças por aquelas localidades, assinalei que, ainda que o descaso
oficial seja grande, a população vem se empenhando em manter, ainda que com
grande dificuldade, um patrimônio que é seu, que mostra a suas raízes e o seu
cotidiano.
Não foi diferente no subdistrito
de Vau (foto) – que pouco conhecimento traz ao mais desavisado viajante, mas
que tem uma história riquíssima e que foi retratada, com as devidas
modificações de nomes e paisagens, em um dos mais inteligentes filmes
produzidos no Brasil: “Narradores de Javé”, com direção de Eliane Caffé, tendo
à frente do elenco um dos mais completos artistas nacionais, José Dumont que, sendo
coadjuvado por um elenco de muitos desconhecidos atores – mas nem por isso
incapazes de exercerem o seu mister – e figurantes que fizeram a grandeza do
filme.
Durante a década de 1980, por falta de
clientela, o correio de Vau seria fechado. Diante desse impasse e de um possível
isolamento, Pedro Braga, um famoso contador de histórias, resolveu tomar algumas
providências. Assim, escreveu diversas cartas para todos os que passaram por
Vau, pois assim garantiria não só a existência da agência dos correios como
também perpetuaria a memória do local. Este é um mote interessante que foi
retratado por Eliane Caffé em seu “Narradores de Javé”, colocando José Dumont
como o personagem Antônio
Biá, um ex-carteiro, que recebeu a função de escrever “a história científica” de
que Javé necessitava para não ser inundada por um represa. No filme, que
mistura ingredientes de comédia, drama e, muito mais do que isso, a performance
excelente dos participantes, Antônio Biá, fora expulso do convívio com a
população por ter escrito cartas, em nome de outros, contando “fofocas” sobre
os moradores, na tentativa de salvar o seu próprio emprego na agência de
correios, que seria desativada por falta de movimento, criando, desta forma,
uma necessidade de permanência da agência, uma vez que a quantidade de
correspondência havia aumentado. Essa criatividade, e o trato com as letras, o
habilitavam a escrever a história da cidade. Assim, vai ouvindo pessoas e
várias histórias são contadas, gerando discussões sobre os heróis e antepassados
de cada um e que fizeram a grandeza da localidade.
Poeta e contador de histórias, Pedro
Braga, que faleceu em 2000, deixou um vasto legado literário e foi o inspirador
na construção do personagem “Antônio Biá”. Pedro Braga mereceu uma dissertação
de mestrado, de autoria do Prof. Josiley Francisco de Souza, que viu na obra de
Pedro Braga um fator importante para a perenidade da história de Vau e marcar a
significância da história oral para o conhecimento da verdade histórica. Vau
ganha, com as histórias de Pedro Braga, uma conotação formidável de geradora de
um patrimônio imaterial que ombreia com os mais importantes patrimônios
imateriais de todas as Minas Gerais.
Localizado às margens do Rio Jequitinhonha, entre
Diamantina e Serro, o subdistrito de Vau iniciou um certo desenvolvimento ainda
no século XVIII, com a atividade de extração de ouro e diamante na região da
Estrada Real, que levava as riquezas de Minas para o Rio de Janeiro. Seu nome,
Vau, é uma referência ao ponto mais raso do rio, que servia de travessia para viajantes
e tropeiros em suas andanças pelo distrito dos diamantes e que está demonstrado
na foto ao lado.
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Historiador