terça-feira, 21 de julho de 2015

COLUNA


A primeira experiência parlamentarista no Brasil


Entre 1847 e 1889 aplicou-se no Brasil o sistema parlamentar. Pela Constituição então vigente, de 1824, a pessoa do imperador era inviolável, sagrada e irresponsável, possuindo o exercício do Poder Moderador, competindo-lhe velar sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos. Tinha, em razão desse poder, não só a faculdade de nomear e demitir livremente os ministros de Estado como a de dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições.
A prática parlamentarista formou-se, aos poucos, nos embates da Câmara com o Governo. A primeira demissão coletiva do Ministério teve lugar em 1838, sob a liderança de Bernardo de Vasconcelos. Em 1843, porém, a praxe da solidariedade passou a ter lugar. Ao demitir-se Aureliano de Souza, ministro dos Negócios Estrangeiros, em face de uma censura implícita da Câmara, solidarizou-se e demitiu-se todo o Gabinete.
Sem dúvida, muito influiu a argúcia de D. Pedro II para modelar o sistema nascente. Convencido de que o Ministério deveria ter a confiança da Câmara, encarregou o senador Honório Hermeto Carneiro Leão de organizar um novo gabinete. Estava, assim, praticamente criado o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Pouco depois, por decreto de 20 de julho de 1847, criava D. Pedro II legalmente o cargo, consagrando-se, assim, ostensivamente, o Governo de Gabinete no Brasil.
Apesar de ter D. Pedro II aceitado as restrições de formar o Ministério, o imperador nunca abdicou de suas prerrogativas asseguradas pela Constituição, substituindo muitas vezes os ministros sem o beneplácito do Parlamento. Por isso, é comum ouvir-se dizer que, no Brasil, o imperador não só imperava como governava e administrava. O imperador, como delegado privativo do Poder Moderador, desempenhava um papel político extraordinariamente importante.
Mesmo na esfera administrativa, o próprio Conselho de Estado nada resolvia sem que o governo lhe aprovasse os pareceres ou lhe resolvesse os problemas. D. Pedro II jamais deixou, ao mesmo tempo, por isso mesmo, de reinar e governar. E não só governava através de seus ministros responsáveis, como por si mesmo.
Dos 35 Ministérios formados durante o seu reinado, oito caíram por voto de censura ou moção de desconfiança, explícita ou implícita, e cinco por demissão espontânea, em face da atitude da Câmara. Os restantes, porém, caíram por meras desinteligências com o imperador, que não deixava de imiscuir-se na administração.
Em contraposição, porém, D. Pedro II decretou a dissolução da Câmara 11 vezes. Em obediência aos reclamos da opinião pública, por exemplo, prestigiou muitas vezes Gabinetes como os do Visconde do Rio-Branco e de José Antônio Saraiva, responsáveis por leis de grande repercussão nacional. O primeiro, pela Lei do Ventre Livre, de 1871, e o segundo, pela Lei Saraiva-Cotegipe, de 1881, implantando também importante reforma eleitoral no Império.
Contudo, com Pedro II no exercício do Poder Moderador, não podemos deixar de reconhecer ter sido o Império, sob o parlamentarismo, a idade de ouro nacional, como o chamou Heitor Moniz, um dos nossos mais credenciados jurisconsultos.
A vida do sistema parlamentar brasileiro foi fruto exclusivo da ação pessoal de D. Pedro II, graças a quem, exclusivamente, pode funcionar. Não devemos nos esquecer, porém, que o Governo parlamentar monárquico viveu uma era de intensa agitação política, partilhada pelas lutas regenciais, da abolição do tráfico e da libertação dos escravos, pelas questões platinas e pelos problemas da Guerra do Paraguai. E, apesar de tudo, não sofreu solução de continuidade a luta, nessa época, contra a irresponsabilidade do poder pessoal, que jamais esmoreceu.