O BRASIL PASSADO A LIMPO
Ainda
conservo na mente as últimas palavras do mestre Antônio Houaiss em nosso
encontro: “Difícil não é erradicar a inflação de um país, mas sim o
analfabetismo que nele grassa”. Foi mais ou menos este o fechamento de sua
conferência promovida pela Academia Teresopolitana de Letras, quando ali eu estava
na presidência da mesma, ocasião em que o insigne professor deu mostras sobejas
de seu conhecimento adquirido ao longo dos anos, tornando-se um espelho para as
gerações presentes e futuras.
Toda
a atual política desenvolvida pelo governo federal, levando-se de roldão também
os governos estaduais e municipais, continua reproduzindo velhas ideias que já
demonstraram cabalmente sua inutilidade. Se não atacarmos violentamente a base
de tudo, ou seja, o ensino fundamental, renovando a sua prioridade básica para
o ensino-aprendizagem, não teremos efetivamente muito a esperar. Some-se a isto
os baixíssimos, ridículos e aviltantes salários percebidos pelos professores de
todos os níveis, em qualquer iniciativa de ensino que se pesquise, seja ela
pública, seja ela privada.
Tratar
o problema do analfabetismo como um modelo simplista que se vem arrastando ao
longo dos anos neste país, não trará nenhuma, grife-se, nenhuma alteração para
o lastimável quadro que presenciamos de norte a sul. Alfabetizar não implica
simplesmente fazer com que a criança (ou o adulto) saiba escrever (na maior
parte das vezes desenhar) seu nome. Vai muito além disso: é necessário que
saiba escrever uma frase, ler e interpretar o que ali está escrito. Caso
contrário, torna-se, como existem milhões pelo Brasil afora, de analfabetos
funcionais.
No
entanto, a coisa não é nova. Há alguns anos, um dos mais renomados expoentes da
educação nacional, o professor Paulo Freire, desenvolveu um método de
ensino-aprendizagem baseado nas experiências pessoais de cada alfabetizando,
método esse que se dele tivessem conhecimento os grandes nomes da pedagogia
internacional como Carl Rogers, Jean Piaget, Ausubel e tantos outros, por
exemplo, teriam eles vislumbrado, com certeza, em nosso conterrâneo traços de
genialidade digna de colocá-lo no alto do patamar em que estão aqueles outros
educadores.
Infelizmente,
não se deu o valor devido àquele educador; ao revés, tratou-se rapidamente de
eliminar do cenário pedagógico as práticas de ensino-aprendizagem que tivessem
vinculação com o professor Paulo Freire e seu método, dadas as injunções
políticas – segundo entendiam os donos do poder de plantão – de que se
revestiam os seus estudos.
Suas
ideias, infelizmente, torno a repetir, não foram resgatadas nem mesmo pelo
pretenso governo neoliberal que se instalou no país a partir do final da década
de 1980, nem mesmo por aqueles que lhes deram continuidade, com propostas não
tão neoliberais assim.
Pois
bem, voltando ao grande mestre, acadêmico Antônio Houaiss, homem que conseguia,
com seus conhecimentos profundos não só da língua nacional, vislumbrar, como um
profeta da educação nacional, que se a nossa realidade é negra, o futuro será
bem menos promissor caso não sejam atacados e postos abaixo, de forma
definitiva, os entraves de ordem corporativista e mesquinha que assolam a
administração pública neste país.
É o que se compreende, ao verificarmos que, pondo de
lado todo esse quadro desanimador, sem perspectivas a longo prazo (a médio já
seria querer demais, e a curto, nem se fala!), entramos com os governos da
década de 1990 com uma taxa de analfabetismo beirando os 30% (os analfabetos
funcionais, haja vista que os demais, os completamente analfabetos, chegam à
casa dos 60%), e hoje se fala em 8,5%. Que números são estes? Não pode ser
verdade, uma vez que as estatísticas da Unesco apontam os 10 países com maior
índice de analfabetismo e ali encontramos Índia, China, Paquistão, Indonésia,
Nigéria, Bangladesh, Egito, Etiópia, Congo e ... Brasil! Esta é a “pátria
educadora”, conforme diz o slogan do governo federal?
Chegamos, então, a outros índices alarmantes e que
considero frutos da falta de educação fundamental no Brasil: aumento da
criminalidade (um dos maiores índices do mundo); execução sumária de crianças e
adolescentes; alta taxa de desemprego; barganhas políticas e corrupção
desenfreada nas casas legislativas; fraudes gritantes no sistema financeiro,
além da subnutrição acelerada em áreas do Norte e do Nordeste do país.
Eis
o quadro! Urgem políticas educacionais radicais que imponham respeito,
primeiramente a nós mesmos, enquanto cidadãos brasileiros, e ao mundo,
mostrando que se pretende colocar o Brasil num patamar elevado dentre as nações
desenvolvidas. Para tanto, as combalidas verbas destinadas à educação devem ser
reforçadas, desviando-se recursos mal-empregados em projetos falidos para a
melhor formação do professor; para uma remuneração digna do quadro docente
nacional, em todos os níveis de atuação; para equipar as escolas de
infraestrutura necessária e suficiente ao bom desempenho do aluno, com
biblioteca, merenda escolar e atenção continuada dos profissionais do ensino.
Talvez
dê para reverter o quadro, quem sabe?