terça-feira, 25 de agosto de 2015

COLUNA


O BRASIL PASSADO A LIMPO

Ainda conservo na mente as últimas palavras do mestre Antônio Houaiss em nosso encontro: “Difícil não é erradicar a inflação de um país, mas sim o analfabetismo que nele grassa”. Foi mais ou menos este o fechamento de sua conferência promovida pela Academia Teresopolitana de Letras, quando ali eu estava na presidência da mesma, ocasião em que o insigne professor deu mostras sobejas de seu conhecimento adquirido ao longo dos anos, tornando-se um espelho para as gerações presentes e futuras.
Toda a atual política desenvolvida pelo governo federal, levando-se de roldão também os governos estaduais e municipais, continua reproduzindo velhas ideias que já demonstraram cabalmente sua inutilidade. Se não atacarmos violentamente a base de tudo, ou seja, o ensino fundamental, renovando a sua prioridade básica para o ensino-aprendizagem, não teremos efetivamente muito a esperar. Some-se a isto os baixíssimos, ridículos e aviltantes salários percebidos pelos professores de todos os níveis, em qualquer iniciativa de ensino que se pesquise, seja ela pública, seja ela privada.
Tratar o problema do analfabetismo como um modelo simplista que se vem arrastando ao longo dos anos neste país, não trará nenhuma, grife-se, nenhuma alteração para o lastimável quadro que presenciamos de norte a sul. Alfabetizar não implica simplesmente fazer com que a criança (ou o adulto) saiba escrever (na maior parte das vezes desenhar) seu nome. Vai muito além disso: é necessário que saiba escrever uma frase, ler e interpretar o que ali está escrito. Caso contrário, torna-se, como existem milhões pelo Brasil afora, de analfabetos funcionais.
No entanto, a coisa não é nova. Há alguns anos, um dos mais renomados expoentes da educação nacional, o professor Paulo Freire, desenvolveu um método de ensino-aprendizagem baseado nas experiências pessoais de cada alfabetizando, método esse que se dele tivessem conhecimento os grandes nomes da pedagogia internacional como Carl Rogers, Jean Piaget, Ausubel e tantos outros, por exemplo, teriam eles vislumbrado, com certeza, em nosso conterrâneo traços de genialidade digna de colocá-lo no alto do patamar em que estão aqueles outros educadores.
Infelizmente, não se deu o valor devido àquele educador; ao revés, tratou-se rapidamente de eliminar do cenário pedagógico as práticas de ensino-aprendizagem que tivessem vinculação com o professor Paulo Freire e seu método, dadas as injunções políticas – segundo entendiam os donos do poder de plantão – de que se revestiam os seus estudos.
Suas ideias, infelizmente, torno a repetir, não foram resgatadas nem mesmo pelo pretenso governo neoliberal que se instalou no país a partir do final da década de 1980, nem mesmo por aqueles que lhes deram continuidade, com propostas não tão neoliberais assim.
Pois bem, voltando ao grande mestre, acadêmico Antônio Houaiss, homem que conseguia, com seus conhecimentos profundos não só da língua nacional, vislumbrar, como um profeta da educação nacional, que se a nossa realidade é negra, o futuro será bem menos promissor caso não sejam atacados e postos abaixo, de forma definitiva, os entraves de ordem corporativista e mesquinha que assolam a administração pública neste país.
É o que se compreende, ao verificarmos que, pondo de lado todo esse quadro desanimador, sem perspectivas a longo prazo (a médio já seria querer demais, e a curto, nem se fala!), entramos com os governos da década de 1990 com uma taxa de analfabetismo beirando os 30% (os analfabetos funcionais, haja vista que os demais, os completamente analfabetos, chegam à casa dos 60%), e hoje se fala em 8,5%. Que números são estes? Não pode ser verdade, uma vez que as estatísticas da Unesco apontam os 10 países com maior índice de analfabetismo e ali encontramos Índia, China, Paquistão, Indonésia, Nigéria, Bangladesh, Egito, Etiópia, Congo e ... Brasil! Esta é a “pátria educadora”, conforme diz o slogan do governo federal?
Chegamos, então, a outros índices alarmantes e que considero frutos da falta de educação fundamental no Brasil: aumento da criminalidade (um dos maiores índices do mundo); execução sumária de crianças e adolescentes; alta taxa de desemprego; barganhas políticas e corrupção desenfreada nas casas legislativas; fraudes gritantes no sistema financeiro, além da subnutrição acelerada em áreas do Norte e do Nordeste do país.
Eis o quadro! Urgem políticas educacionais radicais que imponham respeito, primeiramente a nós mesmos, enquanto cidadãos brasileiros, e ao mundo, mostrando que se pretende colocar o Brasil num patamar elevado dentre as nações desenvolvidas. Para tanto, as combalidas verbas destinadas à educação devem ser reforçadas, desviando-se recursos mal-empregados em projetos falidos para a melhor formação do professor; para uma remuneração digna do quadro docente nacional, em todos os níveis de atuação; para equipar as escolas de infraestrutura necessária e suficiente ao bom desempenho do aluno, com biblioteca, merenda escolar e atenção continuada dos profissionais do ensino.
Talvez dê para reverter o quadro, quem sabe?