Em artigo publicado no Jornal do Brasil o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, sustentou que os ministros do Supremo Tribunal Federal cometeram vários erros ao justificar a derrubada da exigência de diploma de curso de Comunicação Social ou Jornalismo para o exercício da profissão. Um desses erros foi o de atribuir ao Decreto-Lei nº 972/69, de outubro desse ano, o objetivo de submeter os meios de comunicação à censura, a qual foi instituída formalmente três meses depois, em janeiro de 1970, pelo Decreto-Lei nº 1.077. No texto, publicado na página A16 sob o título Incriminação do diploma não se sustenta, diz o Presidente da ABI que o relator do processo, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, “foi infeliz e revelou extremado mau gosto ao comparar o desempenho do jornalista com o do cozinheiro, mesmo o grande mestre no ofício de conceber e preparar acepipes e quitutes”. Diz o articulista que “demonstrou o Ministro que não entende nem de jornalismo nem de arte culinária; se entendesse, não faria as comparações inadequadas que fez”. Com um intertítulo dado pela Redação do JB (Erro do STF na decisão instaura a incompreensível lei da selva trabalhista), o artigo integrou a série Sociedade Aberta, em que o jornal acolhe opiniões de diferentes pessoas. Seu texto é reproduzido a seguir. “O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da questão da obrigatoriedade de exigência do diploma de conclusão do curso de Comunicação Social ou de Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista deixou claro que os membros da chamada Suprema Corte não tinham nem têm familiaridade com o tema tratado. Na justificação dos votos pela derrubada da disposição pertinente do Decreto-lei nº 972/69, os ministros confundiram alhos com bugalhos e revelaram um subjetivismo que não encontra guarida nos fatos históricos e em sua cronologia. Para incriminar a exigência do diploma e justificar sua supressão, vimos ministros a dizer que o Decreto-lei nº 969/72 foi editado com o objetivo de sufocar a imprensa, submetendo-a a censura. Há grave erro aí: a censuraa foi formalmente instituída pelo Decreto-lei nº 1.077, de 26 de janeiro de 1970, mais de três meses após a edição do Decreto nº 972, assinado em 17 de outubro de 1969 e publicado no dia 21 seguinte. Lembre-se, aliás, que era dispensável a formalização do poder de censurar veículos de comunicação, sabido que, com honrosas exceções, como o JB, O Estado de S. Paulo, o Jornal da Tarde e a Tribuna da Imprensa, jornais e emissoras de televisão praticavam a autocensura e faziam o jogo da ditadura militar. Improcede a afirmação do digno Ministro Ricardo Lewandovski de que o Decreto nº 972/69 tinha como “escopo, inequivocamente, controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, em especial pelos jornais, afastando das redações intelectuais e políticos que faziam oposição ao governo de então”. Na verdade esses intelectuais – um Otto Maria Carpeaux, um Antônio Callado, um Octávio Malta – já tinham sido afastados das redações não por esse decreto, mas pelo esmagamento político e comercial que o regime militar impôs a veículos como Última Hora, levada à descaracterização, e o Correio da Manhã, perseguido e subjugado até falir. Carece igualmente de fundamento a invocação do Pacto de São José da Costa Rica, validado no País pelo Decreto 678/92, de que a disposição agora derrubada conflitasse com o artigo 13.3 dessa convenção, como alegado pelo mesmo Ministro Lewandovski, que transcreveu o texto de tal disposição, assim redigida: “Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”. Mesmo um advogado recém-formado saberia que falta tipicidade entre o que dispõe o Decreto nº 972 e o texto reproduzido pelo Ministro. Numa instituição que reúne algumas das maiores sumidades do País em todos os ramos do Direito, como é o Supremo Tribunal Federal, é incompreensível que tenham sido cometidos erros fáticos dessa natureza, para justificar uma decisão desprovida de fundamento jurídico, e sim ditada pelo propósito politico de atender à postulação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, o grande interessado em instituir a lei da selva, uma terra de ninguém nas relações trabalhistas, afinal criada pela decisão do Supremo, ao homologar e legitimar práticas restritivas dos direitos dos jornalistas já adotadas por muitas das empresas filiadas a essa entidade. Mais grave do que essas alegações despropositadas foi o conjunto de argumentos expostos pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi infeliz e revelou extremado mau gosto e escassa criatividade ao comparar o desempenho do jornalista com o do cozinheiro, mesmo o grande mestre no ofício de conceber e preparar acepipes e quitutes. Demonstrou o Ministro que não entende nem de jornalismo nem de arte culinária; se entendesse, não faria as comparações inadequadas que fez. Ao contrário do que sustentaram ministros que acompanharam o relator (Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Celso de Mello), a profissão de jornalista não pode ser exercida por pessoas que tenham apenas o curso fundamental completo ou incompleto, para as quais a decisão do Supremo escancarou com largueza as portas de acesso à profissão, ou mesmo por aquelas que, como os ministros do chamado Pretório Excelso, tenham formação de nível universitário em outras especializações da vida social.”