Sobre o
Parlamentarismo
Avivadas
pela discussão que se estabeleceu na Câmara de Deputados nesta última semana,
onde a redução da maioridade penal apareceu em primeiro plano, outras matérias
mereceram uma rejuvenescida (?) discussão a partir do momento em que a Casa
Legislativa vê sua identidade autônoma contestada por integrantes do Executivo
federal e, nessa esteira, volta a antiga ideia da mudança do sistema de governo
– de presidencialismo para parlamentarismo – como se isto fosse uma panaceia
para, senão eliminar, pelo menos atenuar ações desavergonhadas que fazem com
que o governo seja manchete diária nas páginas criminais.
Assim,
dou início a uma série de artigos sobre a instituição do Parlamentarismo
pretendendo, muito mais do que ensinar, avivar uma discussão que, a meu ver,
não vai levar a nada, a não ser, mais uma vez, lançar uma bomba de fumaça à
Nação como um derivativo enganador para acobertar outras e tantas falcatruas
que se cometem contra este indefeso país.
De
acordo com os ensinamentos de um dos principais constitucionalistas
brasileiros, o Prof. Sahid Maluf, o
Parlamentarismo teve a sua origem na Inglaterra, de onde se transplantou para a
França, a partir de 1814, passando para a Bélgica, Alemanha, Polônia,
Checoslováquia, Áustria, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Espanha e demais
países. Em cada um deles sofreu modificações mais ou menos substanciais,
determinadas pelos imperativos das realidades políticas nacionais.
Baseia-se
o Parlamentarismo, fundamentalmente, sobre a igualdade de prestígio dos dois
poderes do Estado, o Executivo e o Legislativo. Governo e Parlamento passam a
exercer, um sobre o outro, limitações recíprocas. Essas limitações são
conseguidas através da peça política por excelência do regime, que é o Conselho
dos Ministros (Ministério ou Gabinete). Sobre essa figura institucional, o
historiador inglês sir Ivor Jennings nos ensinou que o Gabinete é o centro do sistema constitucional. É a suprema autoridade
diretora. Integra o que de outro modo seria uma coleção heterogênea de autoridades
exercendo uma vasta variedade de funções. No Gabinete, e ainda mais, fora dele,
a pessoa mais importante é o Primeiro-Ministro.
Para
que o regime funcione dentro de suas características importante é que o
Parlamento não ocupe situação inferior à do chefe do Estado. Nesse caso,
rompendo-se o equilíbrio dos dois poderes, iríamos em direção a uma ditadura e
não se justificaria o nome geral dado ao regime: Parlamentarismo. No sistema
parlamentar, toda a soberania está representada no Poder Legislativo, ao qual
se subordinam todos os outros poderes.
Apesar
de o sistema parlamentar ser, antes de tudo, para muitos, um sistema de
separação de poderes, com o Executivo e o Judiciário independentes do
Legislativo, não há uma divisão estanque de poderes. Alguns autores não negam a
separação dos poderes no regime parlamentar, mas não há dúvida de que nessa
separação reconhecem eles perfeita acumulação de funções políticas.
O
Parlamento tem funções legislativas, propondo, às vezes, a lei, discutindo-a
sempre e votando-a; tem funções executivas, votando medidas não-legislativas e
sobretudo o orçamento anual do país onde, ao lado do estabelecimento de novos
impostos e da manutenção dos antigos, de cunho legislativo, incluem-se
disposições de toda ordem, que fixam o montante das despesas públicas e
reservam créditos para os diversos serviços.
E o que cabe ao
Executivo? A principal de suas atribuições é a de convocar os
eleitores para proceder à eleição da parte eletiva do Parlamento, a de
convocar, adiar, prorrogar e encerrar as sessões parlamentares e, sobretudo, a
de dissolver a parte eletiva do Parlamento e convocar os eleitores para novas
eleições.
Essa
última atribuição é, por excelência, o freio mais seguro da soberania nacional
contra os excessos porventura praticados pelo Parlamento. Se o Governo chega à
conclusão de que a política seguida pelo Parlamento não corresponde à vontade
da nação, cabe-lhe a faculdade de dissolvê-lo e de provocar, com isso, um
autêntico referendum. Tal
prerrogativa encontra um similar na faculdade que apresenta o Parlamento de
exercer constante e geral controle sobre os atos do Governo e de poder
responsabilizar solidária e politicamente os ministros.
Assim,
pode-se, em termos gerais, definir o Parlamentarismo como o regime político em
que o chefe do Estado escolhe ministros que, constituídos em Conselho ou
Gabinete, são solidária e politicamente responsáveis perante o Parlamento. Por
tal definição, pode-se depreender facilmente que a característica principal do
regime é a responsabilidade política e solidária do Gabinete em que se apoia.
Através dessa responsabilidade o Parlamento exerce indiretamente controle
contínuo sobre toda atividade governante.
Os
ministros, como integrantes do Poder Executivo são, nesse regime, responsáveis
perante o Parlamento, que, por sua vez, é responsável perante o eleitorado. Tal
responsabilidade, de fundo moral, pode acarretar a perda do poder. É, aliás, o
que entende o já citado professor Sahid Maluf: o povo, por si ou por sua representação, enquanto fiel e legítima, exerce
como que um policiamento preventivo em face do governo, o que substitui, com
indiscutíveis vantagens, as medidas repressivas a posteriori, sempre falhas e
destituídas de real interesse público.
O
mesmo não acontece, por exemplo, no regime presidencialista, onde a
responsabilidade toma aspecto meramente criminal, através do instituto do impeachment.